quinta-feira, 21 de novembro de 2013

Nosso racismo é um crime perfeito


O antropólogo Kabengele Munanga fala sobre o mito da democracia racial brasileira, a polêmica com Demétrio Magnoli e o papel da mídia e da educação no combate ao preconceito no país
Por Camila Souza Ramos e Glauco Faria | Revista Fórum

Fórum – O senhor veio do antigo Zaire que, apesar de ter alguns pontos de contato com a cultura brasileira e a cultura do Congo, é um país bem diferente. O senhor sentiu, quando veio pra cá, a questão racial? Como foi essa mudança para o senhor?
Kabengele – Essas coisas não são tão abertas como a gente pensa. Cheguei aqui em 1975, diretamente para a USP, para fazer doutorado. Não se depara com o preconceito à primeira vista, logo que sai do aeroporto. Essas coisas vêm pouco a pouco, quando se começa a descobrir que você entra em alguns lugares e percebe que é único, que te olham e já sabem que não é daqui, que não é como “nossos negros”, é diferente. Poderia dizer que esse estranhamento é por ser estrangeiro, mas essa comparação na verdade é feita em relação aos negros da terra, que não entram em alguns lugares ou não entram de cabeça erguida.
Depois, com o tempo, na academia, fiz disciplinas em antropologia e alguns de meus professores eram especialistas na questão racial. Foi através da academia, da literatura, que comecei a descobrir que havia problemas no país. Uma das primeiras aulas que fiz foi em 1975, 1976, já era uma disciplina sobre a questão racial com meu orientador João Batista Borges Pereira. Depois, com o tempo, você vai entrar em algum lugar em que está sozinho e se pergunta: onde estão os outros? As pessoas olhavam mesmo, inclusive olhavam mais quando eu entrava com minha mulher e meus filhos. Porque é uma família inter-racial: a mulher branca, o homem negro, um filho negro e um filho mestiço. Em todos os lugares em que a gente entrava, era motivo de curiosidade. O pessoal tentava ser discreto, mas nem sempre escondia. Entrávamos em lugares onde geralmente os negros não entram.
A partir daí você começa a buscar uma explicação para saber o porquê e se aproxima da literatura e das aulas da universidade que falam da discriminação racial no Brasil, os trabalhos de Florestan Fernandes, do Otavio Ianni, do meu próprio orientador e de tantos outros que trabalharam com a questão. Mas o problema é que quando a pessoa é adulta sabe se defender, mas as crianças não. Tenho dois filhos que nasceram na Bélgica, dois no Congo e meu caçula é brasileiro. Quantas vezes, quando estavam sozinhos na rua, sem defesa, se depararam com a polícia?
Meus filhos estudaram em escola particular, Colégio Equipe, onde estudavam filhos de alguns colegas professores. Eu não ia buscá-los na escola, e quando saíam para tomar ônibus e voltar para casa com alguns colegas que eram brancos, eles eram os únicos a ser revistados. No entanto, a condição social era a mesma e estudavam no mesmo colégio. Por que só eles podiam ser suspeitos e revistados pela polícia? Essa situação eu não posso contar quantas vezes vi acontecer. Lembro que meu filho mais velho, que hoje é ator, quando comprou o primeiro carro dele, não sei quantas vezes ele foi parado pela polícia. Sempre apontando a arma para ele para mostrar o documento. Ele foi instruído para não discutir e dizer que os documentos estão no porta-luvas, senão podem pensar que ele vai sacar uma arma. Na realidade, era suspeito de ser ladrão do próprio carro que ele comprou com o trabalho dele. Meus filhos até hoje não saem de casa para atravessar a rua sem documento. São adultos e criaram esse hábito, porque até você provar que não é ladrão… A geografia do seu corpo não indica isso.
Então, essa coisa de pensar que a diferença é simplesmente social, é claro que o social acompanha, mas e a geografia do corpo? Isso aqui também vai junto com o social, não tem como separar as duas coisas. Fui com o tempo respondendo à questão, por meio da vivência, com o cotidiano e as coisas que aprendi na universidade, depoimentos de pessoas da população negra, e entendi que a democracia racial é um mito. Existe realmente um racismo no Brasil, diferenciado daquele praticado na África do Sul durante o regime do apartheid, diferente também do racismo praticado nos EUA, principalmente no Sul. Porque nosso racismo é, utilizando uma palavra bem conhecida, sutil. Ele é velado. Pelo fato de ser sutil e velado isso não quer dizer que faça menos vítimas do que aquele que é aberto. Faz vítimas de qualquer maneira.
Revista Fórum – Quando você tem um sistema como o sul-africano ou um sistema de restrição de direitos como houve nos EUA, o inimigo está claro. No caso brasileiro é mais difícil combatê-lo…
Kabengele – Claro, é mais difícil. Porque você não identifica seu opressor. Nos EUA era mais fácil porque começava pelas leis. A primeira reivindicação: o fim das leis racistas. Depois, se luta para implementar políticas públicas que busquem a promoção da igualdade racial. Aqui é mais difícil, porque não tinha lei nem pra discriminar, nem pra proteger. As leis pra proteger estão na nova Constituição que diz que o racismo é um crime inafiançável. Antes disso tinha a lei Afonso Arinos, de 1951. De acordo com essa lei, a prática do racismo não era um crime, era uma contravenção. A população negra e indígena viveu muito tempo sem leis nem para discriminar nem para proteger.
Revista Fórum – Aqui no Brasil há mais dificuldade com relação ao sistema de cotas justamente por conta do mito da democracia racial?
Kabengele – Tem segmentos da população a favor e contra. Começaria pelos que estão contra as cotas, que apelam para a própria Constituição, afirmando que perante a lei somos todos iguais. Então não devemos tratar os cidadãos brasileiros diferentemente, as cotas seriam uma inconstitucionalidade. Outro argumento contrário, que já foi demolido, é a ideia de que seria difícil distinguir os negros no Brasil para se beneficiar pelas cotas por causa da mestiçagem. O Brasil é um país de mestiçagem, muitos brasileiros têm sangue europeu, além de sangue indígena e africano, então seria difícil saber quem é afro-descendente que poderia ser beneficiado pela cota. Esse argumento não resistiu. Por quê? Num país onde existe discriminação antinegro, a própria discriminação é a prova de que é possível identificar os negros. Senão não teria discriminação.
Em comparação com outros países do mundo, o Brasil é um país que tem um índice de mestiçamento muito mais alto. Mas isso não pode impedir uma política, porque basta a autodeclaração. Basta um candidato declarar sua afro-descendência. Se tiver alguma dúvida, tem que averiguar. Nos casos-limite, o indivíduo se autodeclara afrodescendente. Às vezes, tem erros humanos, como o que aconteceu na UnB, de dois jovens mestiços, de mesmos pais, um entrou pelas cotas porque acharam que era mestiço, e o outro foi barrado porque acharam que era branco. Isso são erros humanos. Se tivessem certeza absoluta que era afro-descendente, não seria assim. Mas houve um recurso e ele entrou. Esses casos-limite existem, mas não é isso que vai impedir uma política pública que possa beneficiar uma grande parte da população brasileira.
Além do mais, o critério de cota no Brasil é diferente dos EUA. Nos EUA, começaram com um critério fixo e nato. Basta você nascer negro. No Brasil não. Se a gente analisar a história, com exceção da UnB, que tem suas razões, em todas as universidades brasileiras que entraram pelo critério das cotas, usaram o critério étnico-racial combinado com o critério econômico. O ponto de partida é a escola pública. Nos EUA não foi isso. Só que a imprensa não quer enxergar, todo mundo quer dizer que cota é simplesmente racial. Não é. Isso é mentira, tem que ver como funciona em todas as universidades. É necessário fazer um certo controle, senão não adianta aplicar as cotas. No entanto, se mantém a ideia de que, pelas pesquisas quantitativas, do IBGE, do Ipea, dos índices do Pnud, mostram que o abismo em matéria de educação entre negros e brancos é muito grande. Se a gente considerar isso então tem que ter uma política de mudança. É nesse sentido que se defende uma política de cotas.
O racismo é cotidiano na sociedade brasileira. As pessoas que estão contra cotas pensam como se o racismo não tivesse existido na sociedade, não estivesse criando vítimas. Se alguém comprovar que não tem mais racismo no Brasil, não devemos mais falar em cotas para negros. Deveríamos falar só de classes sociais. Mas como o racismo ainda existe, então não há como você tratar igualmente as pessoas que são vítimas de racismo e da questão econômica em relação àquelas que não sofrem esse tipo de preconceito. A própria pesquisa do IPEA mostra que se não mudar esse quadro, os negros vão levar muitos e muitos anos para chegar aonde estão os brancos em matéria de educação. Os que são contra cotas ainda dão o argumento de que qualquer política de diferença por parte do governo no Brasil seria uma política de reconhecimento das raças e isso seria um retrocesso, que teríamos conflitos, como os que aconteciam nos EUA.
Fórum – Que é o argumento do Demétrio Magnoli.
Kabengele – Isso é muito falso, porque já temos a experiência, alguns falam de mais de 70 universidades públicas, outros falam em 80. Já ouviu falar de conflitos raciais em algum lugar, linchamentos raciais? Não existe. É claro que houve manifestações numa universidade ou outra, umas pichações, “negro, volta pra senzala”. Mas isso não se caracteriza como conflito racial. Isso é uma maneira de horrorizar a população, projetar conflitos que na realidade não vão existir.
Fórum – Agora o DEM entrou com uma ação no STF pedindo anulação das cotas. O que motiva um partido como o DEM, qual a conexão entre a ideologia de um partido ou um intelectual como o Magnoli e essa oposição ao sistema de cotas? Qual é a raiz dessa resistência?
Kabengele – Tenho a impressão que as posições ideológicas não são explícitas, são implícitas. A questão das cotas é uma questão política. Tem pessoas no Brasil que ainda acreditam que não há racismo no país. E o argumento desse deputado do DEM é esse, de que não há racismo no Brasil, que a questão é simplesmente socioeconômica. É um ponto de vista refutável, porque nós temos provas de que há racismo no Brasil no cotidiano. O que essas pessoas querem? Status quo. A ideia de que o Brasil vive muito bem, não há problema com ele, que o problema é só com os pobres, que não podemos introduzir as cotas porque seria introduzir uma discriminação contra os brancos e pobres. Mas eles ignoram que os brancos e pobres também são beneficiados pelas cotas, e eles negam esse argumento automaticamente, deixam isso de lado.
Fórum – Mas isso não é um cinismo de parte desses atores políticos, já que eles são contra o sistema de cotas, mas também são contra o Bolsa-Família ou qualquer tipo de política compensatória no campo socioeconômico?
Kabengele – É interessante, porque um país que tem problemas sociais do tamanho do Brasil deveria buscar caminhos de mudança, de transformação da sociedade. Cada vez que se toca nas políticas concretas de mudança, vem um discurso. Mas você não resolve os problemas sociais somente com a retórica. Quanto tempo se fala da qualidade da escola pública? Estou aqui no Brasil há 34 anos. Desde que cheguei aqui, a escola pública mudou em algum lugar? Não, mas o discurso continua. “Ah, é só mudar a escola pública.” Os mesmos que dizem isso colocam os seus filhos na escola particular e sabem que a escola pública é ruim. Poderiam eles, como autoridades, dar melhor exemplo e colocar os filhos deles em escola pública e lutar pelas leis, bom salário para os educadores, laboratórios, segurança. Mas a coisa só fica no nível da retórica.
E tem esse argumento legalista, “porque a cota é uma inconstitucionalidade, porque não há racismo no Brasil”. Há juristas que dizem que a igualdade da qual fala a Constituição é uma igualdade formal, mas tem a igualdade material. É essa igualdade material que é visada pelas políticas de ação afirmativa. Não basta dizer que somos todos iguais. Isso é importante, mas você tem que dar os meios e isso se faz com as políticas públicas. Muitos disseram que as cotas nas universidades iriam atingir a excelência universitária. Está comprovado que os alunos cotistas tiveram um rendimento igual ou superior aos outros. Então a excelência não foi prejudicada. Aliás, é curioso falar de mérito como se nosso vestibular fosse exemplo de democracia e de mérito. Mérito significa simplesmente que você coloca como ponto de partida as pessoas no mesmo nível.
Quando as pessoas não são iguais, não se pode colocar no ponto de partida para concorrer igualmente. É como você pegar uma pessoa com um fusquinha e outro com um Mercedes, colocar na mesma linha de partida e ver qual o carro mais veloz. O aluno que vem da escola pública, da periferia, de péssima qualidade, e o aluno que vem de escola particular de boa qualidade, partindo do mesmo ponto, é claro que os que vêm de uma boa escola vão ter uma nota superior. Se um aluno que vem de um Pueri Domus, Liceu Pasteur, tira nota 8, esse que vem da periferia e tirou nota 5 teve uma caminhada muito longa. Essa nota 5 pode ser mais significativa do que a nota 7 ou 8. Dando oportunidade ao aluno, ele não vai decepcionar.
Foi isso que aconteceu, deram oportunidade. As cotas são aplicadas desde 2003. Nestes sete anos, quantos jovens beneficiados pelas cotas terminaram o curso universitário e quantos anos o Brasil levaria para formar o tanto de negros sem cotas? Talvez 20 ou mais. Isso são coisas concretas para as quais as pessoas fecham os olhos. No artigo do professor Demétrio Magnoli, ele me critica, mas não leu nada. Nem uma linha de meus livros. Simplesmente pegou o livro da Eneida de Almeida dos Santos, Mulato, negro não-negro e branco não-branco que pediu para eu fazer uma introdução, e desta introdução de três páginas ele tirou algumas frases e, a partir dessas frases, me acusa de ser um charlatão acadêmico, de professar o racismo científico abandonado há mais de um século e fazer parte de um projeto de racialização oficial do Brasil. Nunca leu nada do que eu escrevi.
A autora do livro é mestiça, psiquiatra e estuda a dificuldade que os mestiços entre branco e negro têm pra construir a sua identidade. Fiz a introdução mostrando que eles têm essa dificuldade justamente por causa de serem negros não-negros e brancos não-brancos. Isso prejudica o processo, mas no plano político, jurídico, eles não podem ficar ambivalentes. Eles têm que optar por uma identidade, têm que aceitar sua negritude, e não rejeitá-la. Com isso ele acha que eu estou professando a supressão dos mestiços no Brasil e que isso faz parte do projeto de racialização do brasileiro. Não tinha nada para me acusar, soube que estou defendendo as cotas, tirou três frases e fez a acusação dele no jornal.
Fórum – O senhor toca na questão do imaginário da democracia racial, mas as pessoas são formadas para aceitarem esse mito…
Kabengele – O racismo é uma ideologia. A ideologia só pode ser reproduzida se as próprias vítimas aceitam, a introjetam, naturalizam essa ideologia. Além das próprias vítimas, outros cidadãos também, que discriminam e acham que são superiores aos outros, que têm direito de ocupar os melhores lugares na sociedade. Se não reunir essas duas condições, o racismo não pode ser reproduzido como ideologia, mas toda educação que nós recebemos é para poder reproduzi-la.
Há negros que introduziram isso, que alienaram sua humanidade, que acham que são mesmo inferiores e o branco tem todo o direito de ocupar os postos de comando. Como também tem os brancos que introjetaram isso e acham mesmo que são superiores por natureza. Mas para você lutar contra essa ideia não bastam as leis, que são repressivas, só vão punir. Tem que educar também. A educação é um instrumento muito importante de mudança de mentalidade e o brasileiro foi educado para não assumir seus preconceitos. O Florestan Fernandes dizia que um dos problemas dos brasileiros é o “preconceito de ter preconceito de ter preconceito”. O brasileiro nunca vai aceitar que é preconceituoso. Foi educado para não aceitar isso. Como se diz, na casa de enforcado não se fala de corda.
Quando você está diante do negro, dizem que tem que dizer que é moreno, porque se disser que é negro, ele vai se sentir ofendido. O que não quer dizer que ele não deve ser chamado de negro. Ele tem nome, tem identidade, mas quando se fala dele, pode dizer que é negro, não precisa branqueá-lo, torná-lo moreno. O brasileiro foi educado para se comportar assim, para não falar de corda na casa de enforcado. Quando você pega um brasileiro em flagrante de prática racista, ele não aceita, porque não foi educado para isso. Se fosse um americano, ele vai dizer: “Não vou alugar minha casa para um negro”. No Brasil, vai dizer: “Olha, amigo, você chegou tarde, acabei de alugar”. Porque a educação que o americano recebeu é pra assumir suas práticas racistas, pra ser uma coisa explícita.
Quando a Folha de S. Paulo fez aquela pesquisa de opinião em 1995, perguntaram para muitos brasileiros se existe racismo no Brasil. Mais de 80% disseram que sim. Perguntaram para as mesmas pessoas: “você já discriminou alguém?”. A maioria disse que não. Significa que há racismo, mas sem racistas. Ele está no ar… Como você vai combater isso? Muitas vezes o brasileiro chega a dizer ao negro que reage: “você que é complexado, o problema está na sua cabeça”. Ele rejeita a culpa e coloca na própria vítima. Já ouviu falar de crime perfeito? Nosso racismo é um crime perfeito, porque a própria vítima é que é responsável pelo seu racismo, quem comentou não tem nenhum problema.
Revista Fórum – O humorista Danilo Gentilli escreveu no Twitter uma piada a respeito do King Kong, comparando com um jogador de futebol que saía com loiras. Houve uma reação grande e a continuação dos argumentos dele para se justificar vai ao encontro disso que o senhor está falando. Ele dizia que racista era quem acusava ele, e citava a questão do orgulho negro como algo de quem é racista.
Kabengele – Faz parte desse imaginário. O que está por trás dessa ilustração de King Kong, que ele compara a um jogador de futebol que vai casar com uma loira, é a ideia de alguém que ascende na vida e vai procurar sua loira. Mas qual é o problema desse jogador de futebol? São pessoas vítimas do racismo que acham que agora ascenderam na vida e, para mostrar isso, têm que ter uma loira que era proibida quando eram pobres? Pode até ser uma explicação. Mas essa loira não é uma pessoa humana que pode dizer não ou sim e foi obrigada a ir com o King Kong por causa de dinheiro? Pode ser, quantos casamentos não são por dinheiro na nossa sociedade? A velha burguesia só se casa dentro da velha burguesia. Mas sempre tem pessoas que desobedecem as normas da sociedade.
Essas jovens brancas, loiras, também pulam a cerca de suas identidades pra casar com um negro jogador. Por que a corda só arrebenta do lado do jogador de futebol? No fundo, essas pessoas não querem que os negros casem com suas filhas. É uma forma de racismo. Estão praticando um preconceito que não respeita a vontade dessas mulheres nem essas pessoas que ascenderam na vida, numa sociedade onde o amor é algo sem fronteiras, e não teria tantos mestiços nessa sociedade. Com tudo o que aconteceu no campo de futebol com aquele jogador da Argentina que chamou o Grafite de macaco, com tudo o que acontece na Europa, esse humorista faz uma ilustração disso, ou é uma provocação ou quer reafirmar os preconceitos na nossa sociedade.
Fórum – É que no caso, o Danilo Gentili ainda justificou sua piada com um argumento muito simplório: “por que eu posso chamar um gordo de baleia e um negro de macaco”, como se fosse a mesma coisa.
Kabengele – É interessante isso, porque tenho a impressão de que é um cara que não conhece a história e o orgulho negro tem uma história. São seres humanos que, pelo próprio processo de colonização, de escravidão, a essas pessoas foi negada sua humanidade. Para poder se recuperar, ele tem que assumir seu corpo como negro. Se olhar no espelho e se achar bonito ou se achar feio. É isso o orgulho negro. E faz parte do processo de se assumir como negro, assumir seu corpo que foi recusado. Se o humorista conhecesse isso, entenderia a história do orgulho negro. O branco não tem motivo para ter orgulho branco porque ele é vitorioso, está lá em cima. O outro que está lá em baixo que deve ter orgulho, que deve construir esse orgulho para poder se reerguer.
Fórum – O senhor tocou no caso do Grafite com o Desábato, e recentemente tivemos, no jogo da Libertadores entre Cruzeiro e Grêmio, o caso de um jogador que teria sido chamado de macaco por outro atleta. Em geral, as pessoas – jornalistas que comentaram, a diretoria gremista – argumentavam que no campo de futebol você pode falar qualquer coisa, e que se as pessoas fossem se importar com isso, não teria como ter jogo de futebol. Como você vê esse tipo de situação?
Kabengele – Isso é uma prova daquilo que falei, os brasileiros são educados para não assumir seus hábitos, seu racismo. Em outros países, não teria essa conversa de que no campo de futebol vale. O pessoal pune mesmo. Mas aqui, quando se trata do negro… Já ouviu caso contrário, de negro que chama branco de macaco? Quando aquele delegado prendeu o jogador argentino no caso do Grafite, todo mundo caiu em cima. Os técnicos, jornalistas, esportistas, todo mundo dizendo que é assim no futebol. Então a gente não pode educar o jogador de futebol, tudo é permitido? Quando há violência física, eles são punidos, mas isso aqui é uma violência também, uma violência simbólica. Por que a violência simbólica é aceita a violência física é punida?
Fórum – Como o senhor vê hoje a aplicação da lei que determina a obrigatoriedade do ensino de cultura africana nas escolas? Os professores, de um modo geral, estão preparados para lidar com a questão racial?
Kabengele – Essa lei já foi objeto de crítica das pessoas que acham que isso também seria uma racialização do Brasil. Pessoas que acham que, sendo a população brasileira uma população mestiça, não é preciso ensinar a cultura do negro, ensinar a história do negro ou da África. Temos uma única história, uma única cultura, que é uma cultura mestiça. Tem pessoas que vão nessa direção, pensam que isso é uma racialização da educação no Brasil.
Mas essa questão do ensino da diversidade na escola não é propriedade do Brasil. Todos os países do mundo lidam com a questão da diversidade, do ensino da diversidade na escola, até os que não foram colonizadores, os nórdicos, com a vinda dos imigrantes, estão tratando da questão da diversidade na escola.
O Brasil deveria tratar dessa questão com mais força, porque é um país que nasceu do encontro das culturas, das civilizações. Os europeus chegaram, a população indígena – dona da terra – os africanos, depois a última onda imigratória é dos asiáticos. Então tudo isso faz parte das raízes formadoras do Brasil que devem fazer parte da formação do cidadão. Ora, se a gente olhar nosso sistema educativo, percebemos que a história do negro, da África, das populações indígenas não fazia parte da educação do brasileiro.
Nosso modelo de educação é eurocêntrico. Do ponto de vista da historiografia oficial, os portugueses chegaram na África, encontraram os africanos vendendo seus filhos, compraram e levaram para o Brasil. Não foi isso que aconteceu. A história da escravidão é uma história da violência. Quando se fala de contribuições, nunca se fala da África. Se se introduzir a história do outro de uma maneira positiva, isso ajuda.
É por isso que a educação, a introdução da história dele no Brasil, faz parte desse processo de construção do orgulho negro. Ele tem que saber que foi trazido e aqui contribuiu com o seu trabalho, trabalho escravizado, para construir as bases da economia colonial brasileira. Além do mais, houve a resistência, o negro não era um João-Bobo que simplesmente aceitou, senão a gente não teria rebeliões das senzalas, o Quilombo dos Palmares, que durou quase um século. São provas de resistência e de defesa da dignidade humana. São essas coisas que devem ser ensinadas. Isso faz parte do patrimônio histórico de todos os brasileiros. O branco e o negro têm que conhecer essa história porque é aí que vão poder respeitar os outros.
Voltando a sua pergunta, as dificuldades são de duas ordens. Em primeiro lugar, os educadores não têm formação para ensinar a diversidade. Estudaram em escolas de educação eurocêntrica, onde não se ensinava a história do negro, não estudaram história da África, como vão passar isso aos alunos? Além do mais, a África é um continente, com centenas de culturas e civilizações. São 54 países oficialmente. A primeira coisa é formar os educadores, orientar por onde começou a cultura negra no Brasil, por onde começa essa história. Depois dessa formação, com certo conteúdo, material didático de boa qualidade, que nada tem a ver com a historiografia oficial, o processo pode funcionar.
Fórum – Outra questão que se discute é sobre o negro nos espaços de poder. Não se veem negros como prefeitos, governadores. Como trabalhar contra isso?
Kabengele – O que é um país democrático? Um país democrático, no meu ponto de vista, é um país que reflete a sua diversidade na estrutura de poder. Nela, você vê mulheres ocupando cargos de responsabilidade, no Executivo, no Legislativo, no Judiciário, assim como no setor privado. E ainda os índios, que são os grandes discriminados pela sociedade. Isso seria um país democrático. O fato de você olhar a estrutura de poder e ver poucos negros ou quase não ver negros, não ver mulheres, não ver índios, isso significa que há alguma coisa que não foi feita nesse país. Como construção da democracia, a representatividade da diversidade não existe na estrutura de poder. Por quê?
Se você fizer um levantamento no campo jurídico, quantos desembargadores e juízes negros têm na sociedade brasileira? Se você for pras universidades públicas, quantos professores negros tem, começando por minha própria universidade? Esta universidade tem cerca de 5 mil professores. Quantos professores negros tem na USP? Nessa grande faculdade, que é a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH), uma das maiores da USP junto com a Politécnica, tenho certeza de que na minha faculdade fui o primeiro negro a entrar como professor. Desde que entrei no Departamento de Antropologia, não entrou outro. Daqui três anos vou me aposentar. O professor Milton Santos, que era um grande professor, quase Nobel da Geografia, entrou no departamento, veio do exterior e eu já estava aqui. Em toda a USP, não sou capaz de passar de dez pessoas conhecidas. Pode ter mais, mas não chega a 50, exagerando. Se você for para as grandes universidades americanas, Harvard, Princeton, Standford, você vai encontrar mais negros professores do que no Brasil. Lá eles são mais racistas, ou eram mais racistas, mas como explicar tudo isso?
120 anos de abolição. Por que não houve uma certa mobilidade social para os negros chegarem lá? Há duas explicações: ou você diz que ele é geneticamente menos inteligente, o que seria uma explicação racista, ou encontra explicação na sociedade. Quer dizer que se bloqueou a sua mobilidade. E isso passa por questão de preconceito, de discriminação racial. Não há como explicar isso. Se você entender que os imigrantes japoneses chegaram, nós comemoramos 100 anos recentemente da sua vinda, eles tiveram uma certa mobilidade. Os coreanos também ocupam um lugar na sociedade. Mas os negros já estão a 120 anos da abolição. Então tem uma explicação. Daí a necessidade de se mudar o quadro. Ou nós mantemos o quadro, porque se não mudamos estamos racializando o Brasil, ou a gente mantém a situação para mostrar que não somos racistas. Porque a explicação é essa, se mexer, somos racistas e estamos racializando. Então vamos deixar as coisas do jeito que estão. Esse é o dilema da sociedade.
Revista Fórum – como o senhor vê o tratamento dado pela mídia à questão racial?
Kabengele – A imprensa faz parte da sociedade. Acho que esse discurso do mito da democracia racial é um discurso também que é absorvido por alguns membros da imprensa. Acho que há uma certa tendência na imprensa pelo fato de ser contra as políticas de ação afirmativa, sendo que também não são muito favoráveis a essa questão da obrigatoriedade do ensino da história do negro na escola.
Houve, no mês passado, a II Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial. Silêncio completo da imprensa brasileira. Não houve matérias sobre isso. Os grandes jornais da imprensa escrita não pautaram isso. O silêncio faz parte do dispositivo do racismo brasileiro. Como disse Elie Wiesel, o carrasco mata sempre duas vezes. A segunda mata pelo silêncio. O silêncio é uma maneira de você matar a consciência de um povo. Porque se falar sobre isso abertamente, as pessoas vão buscar saber, se conscientizar, mas se ficar no silêncio a coisa morre por aí. Então acho que o silêncio da imprensa, no meu ponto de vista, passa por essa estratégia, é o não-dito.
Acabei de passar por uma experiência interessante. Saí da Conferência Nacional e fui para Barcelona, convidado por um grupo de brasileiros que pratica capoeira. Claro, receberam recursos do Ministério das Relações Exteriores, que pagou minha passagem e a estadia. Era uma reunião pequena de capoeiristas e fiz uma conferência sobre a cultura negra no Brasil. Saiu no El Pais, que é o jornal mais importante da Espanha, noticiou isso, uma coisa pequena. Uma conferência nacional deste tamanho aqui não se fala. É um contrassenso. O silêncio da imprensa não é um silêncio neutro, é um silêncio que indica uma certa orientação da questão racial. Tem que não dizer muita coisa e ficar calado. Amanhã não se fala mais, acabou.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

ROTEIRO DE PESQUISA EM FILOSOFIA MEDIEVAL


HISTÓRIA DA FILOSOFIA MEDIEVAL II – 1/2013
ORIENTAÇÕES GERAIS:
       I.     Este estudo dirigido vale 05,0 (CINCO) pontos.
     II.     Leia, primeiramente, o texto escolhido para essa atividade (Alessandro Ghisalberti – As raízes medievais do pensamento moderno).
    III.     Em seguida leia as questões do estudo dirigido.
   IV.     Busque, em primeiro ligar, entender o que está sendo perguntado.
     V.     Responda ao estudo de forma sintética e sabendo o que está sendo escrito e dito. O objetivo dessa atividade pedagógica é exercitar a reflexão. Nesse ínterim, estabeleça conexões de cunho lógico dentro do texto de suas respostas.
   VI.     Reveja tudo o que escreveu e veja se tem sentido.
  VII.     As questões respondidas que não tiverem nada a ver com o que foi perguntado (receita de bolo, poemas, frases sem nexo, piadas, historinhas, problemas de concatenação de idéias, etc.) farão com que você perca todos os pontos referentes à questão respondida do estudo dirigido.
VIII.     O presente estudo dirigido refere-se somente ao texto escolhido e disponibilizado na pasta de filosofia medieval II. A matéria da prova, portanto, será relativa somente a esse texto.
   IX.     O estudo dirigido pode ser feito em grupos de até 06 pessoas. O prazo de entrega final do estudo dirigido II é dia 30 de julho de 2013.

QUESTÕES:
1.      Com base na parte 01 do texto, explicite o significado pejorativo que o termo Idade Média (Idade das Trevas) foi impregnado, estabelecendo se existe uma conexão exata desse termo com o período estudado. Nesse sentido, estabeleça uma conexão da Idade Média com o período da Filosofia Moderna e com os dias atuais.
Questão 01:
R.: O termo foi usado de forma a salientar que na Idade Média a razão permaneceu inoperante e não teria sido usada. Contudo, a visão pejorativa em relação á Idade Média não condiz com o que realmente ocorreu no período histórico. O período que compreende os séculos da Idade Média pode ser dividido em pelo menos três momentos: a alta Idade Média, a Idade Média Central e a Baixa Idade Média. A Idade Média desenvolveu vários pontos importantes que, em seu aspecto geral, são vistos como precursores das categorias desenvolvidas durante a Modernidade. Aspectos como a afirmação da transcendência, a imortalidade da alma, a exaltação da natureza humana, as demonstrações acerca da existência de Deus, a consolidação da metafísica com pontos cristãos, o crescimento pelo interesse nos elementos calculatórios, etc.

2.      Com base na parte 02 do texto, estabeleça de que forma Duns Scotus pretende reformular a metafísica aristotélica e qual o alcance dessas proposições para a filosofia do século XIV.
Questão 02:
R.: Partindo de uma visão crítica acerca do modelo aristotélico, Scotus pretende desenvolver uma metafísica teológica cristã que possa desenvolver procedimentos demonstrativos acerca da existência de Deus, do ente finito e infinito, da equivocidade e univocidade do ente. A aplicabilidade dos conceitos de univocidade e equivocidade de Scotus, em sua aplicabilidade tanto a Deus quanto às criaturas, pressupõe uma reviravolta na forma de desenvolver ciência que irá instaurar uma nova forma calculatória, esta prefigurará aspectos dos modelos científicos da modernidade.

3.      Com base na parte 03 do texto, estabeleça de que forma podemos pensar em Guilherme de Ockham como o precursor de um movimento (via moderna) que irá dar primazia ao papel do indivíduo no processo cognitivo humano.
Questão 03:
R.: O século XIV está debaixo de uma grande crítica aos modelos neoplatânicos e aristotélicos. Nesse sentido Ockham desenvolve uma crítica que estabelece que o método científico deve ser organizado de um ponto de vista indutivo, e não dedutivo como queria Aristóteles. Se a indução passa a ser o método da ciência, a experiência passa a ser o principal elemento para que se instaure o método científico. Como a experiência passa a ser o ponto de partida da ciência, o indivíduo passa a ser o material a ser estudado e confrontado pela experiência. Portanto, tendo em vista o modelo científico da indução, a ciência somente pode ser desenvolvida mediante a experiência com o mundo sensível e, nesse sentido, necessita do contado do indivíduo, do ser fenomênico que se apresenta à nossa consciência. Para ele, portanto, o conhecimento somente pode acontecer tendo em vista a experiência com seres individuais, e esse contato será o material que o intelecto irá organizar para a emissão de proposições lógicas, por isso sua opção para o modelo do nominalismo.

4.      Com base na parte 04 do texto, explicite de que forma podemos ver a figura de João Buridano como a de um renovador das ciências e seus métodos, no século XIV, de tal forma que esse movimento se estabelecesse como a base fundante daquilo que os historiadores da filosofia chamam de revolução científica moderna.
Questão 04:
R.: No modelo lógico defendido por Buridano, onde o nominalismo predominava, existe uma necessidade de aplicabilidade de seus critérios no âmbito do discurso científico, metafísico, físico, teológico, poético. Seu método pressupõe a aplicação de um novo método científico diverso da física de Aristóteles, a possibilidade de inversão dos modelos medievais de entendimento do mundo e de sua composição. Esses aspectos serão a base de uma nova metodologia da ciência que será implementada dentro do sistema filosófico da modernidade, aspecto que se aproximam muito do nascimento da ciência empírica, ao modelo do geocentrismo e à ampliação dos instrumentos lingüísticos que podem averiguar as condições de verdade.

5.      Com base na parte 05 do texto, explicite a importância e o formato do aristotelismo na segunda metade do século XV.
Questão 05:
R.: A entrada de Aristóteles trouxe grandes mudanças dentro do sistema medieval. As mudanças ocorrem no âmbito da lógica, da ciência, da física, da metafísica, da política, etc. Um dos maiores impactos foi o contato com o mundo árabe e com a derrocada do sistema platônico como única via filosófica de intersecção entre a fé e a razão. Destarte, o aristotelismo será responsável pelos movimentos de secularização ou laicização que terão início a partir do século XIII e perdurarão até o Renascimento.

6.      Com base na parte 06 do texto, estabeleça o significado da ética ao final da Idade Média e quais seriam os problemas que esse modelo incutiu à ética do Renascimento.
Questão 06:
R.: Com a entrada da tradução da Ética a Nicômaco de Aristóteles, diretamente do grego para o latim, muda-se o enfoque agostiniano que a tradição cristã dava ao problema ético, à busca do bem e à possibilidade de se alcançar a felicidade. O modelo proporcionará uma junção da ética das virtudes de cunho teleológico aristotélico às noções das virtudes cardeais, proporcionando uma ampliação do campo ético e das regras axiomáticas utilizadas no mundo cristão. Essas novas visões ampliam o conceito de liberdade e de felicidade e desembocarão em novas concepções éticas, estéticas, filosóficas e científicas conhecidas debaixo do influxo do Renascimento, as quais ampliarão a visão e a formação antropológica.




terça-feira, 2 de julho de 2013

TODOS OS HUMANOS SÃO FILÓSOFOS

TODOS OS SERES HUMANOS SÃO FILÓSOFOS?


Se "todos os humanos são filósofos", como quer Gramsci, qual é então, a diferença entre filosofar de uma pessoa comum e o de um filósofo profissional especialista? O próprio autor esclarece:
"O Filósofo profissional ou técnico não só 'pensa' com maior rigor lógico, com maior coerência, com maior espírito de sistema do que os outros homens, mas conhece toda a história do pensamento isto é, sabe as razões do desenvolvimento que o pensamento sofreu até ele e está e condições de retomar os problemas a partir do ponto em que eles se encontram após terem sofrido a mais alta tentativa de solução etc. Ele tem, no campo do pensamento, a mesma função que os diversos campos científicos têm  os especialistas".
"Preconceito muito difundido de que a Filosofia é uma atividade intelectual muito difícil e, por isso, restrita a uma minoria de inteligencia supostamente privilegiada". (Antonio Gramsci)

Afina, a Filosofia está presente na 'linguagem do senso, no senso comum, no bom senso, na religião', mesmo em nível de senso comum é possível refletir, pensar de maneira crítica sobre a realidade, somar consciência dela e agir de modo coerente com essa consciência.

sábado, 25 de maio de 2013

ONDE SE ENCONTRA O BELO/ A BELEZA?
 

 O ser humano pode fazer juízos de fato (dizer o que são as coisas) e juízos de valor
(julgar se determinada coisa é boa, ruim, agradável, bonita, feia, etc.). Entre os juízos de valor, podemos distinguir o... juízo moral e o juízo estético.
Neste texto o que nos interessa é o juízo estético.
Pelo juízo estético, julgamos se algum objeto, algum acontecimento, alguma pessoa ou algum outro ser é belo. Mas o que é a beleza?
A maioria das pessoas concordaria que belo é algo que nos agrada, que nos satisfaz os sentidos, que nos proporciona prazer sensível e espiritual. No entanto essas mesmas pessoas não chegariam a um consenso quanto à beleza de determinado objeto. Tanto assim que já se tornou senso comum a afirmação de que "gosto não se discute".
Também os filósofos que se dedicaram a investigação do que é a beleza não são unânimes quanto a essa questão: para uns, a beleza é algo que está objetivamente nas coisas, para outros, é apenas um juízo subjetivo, pessoal e intransferível a respeito das coisas.
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quarta-feira, 8 de maio de 2013

Absoluto

 
 
A coragem da verdade e a fé no poder do Espírito
são a primeira condição da Filosofia.
[Hegel, 1816]

"...e o que me fascina na filosofia dele é a Proposição de uma ideia da realidade capaz de ser expressa em categorias reais...----
...Para Hegel o pensamento ou o raciocínio humano "é essencialmente determinado pelas forças da História".
Para Ele -Hegel - o objetivo para o qual a história caminha é o GEIST, o conhecimento de si própria. O Processo todo tem uma estrutura lógica que Hegel chamou de 'dialética' - Essa dialética desenvolve-se detectando tensões, conflitos internos nas ideias, que devem se r resolvidos com a passagem para um nível mais alto - e segundo ele, mais real--de ideias. Os conflitos encontrados nessas ideias são então resolvidos num nível ainda mais alto, e assim por diante, até alcançarmos a realidade última, que não contém conflitos e é chamada de "Absoluto".....[ Mas pergunto: \Chegaremos um dia ou em uma noite alcançarmos esse Absoluto? ] Peço ajuda ao Professor Dr. ABRAHÃO...- De quem recebí o desafio/estímulo de estudar o sistema filosófico de Hegel
Foto: La robe du soir
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quinta-feira, 2 de maio de 2013

De que somos feitos

 Desde a Grécia antiga, pesquisadores quebram a cabeça para descobrir a matéria-prima de todas as coisas. Conheça a história dessa busca e saiba por que a lista de elementos não para de crescer...

Se um dia alguém lhe p...edir para construir um planeta como a Terra, vai aqui uma dica: o segredo de toda receita, como qualquer químico ou dona-de-casa pode lhe dizer, é escolher bem os ingredientes. Cumpra direitinho esse estágio e o resto vai ser só aquele trabalho besta de bater a massa e deixá-la descansar por alguns bilhões de anos. O esforço de construir um planeta fica restrito a apenas uma pergunta: "Que diabos de ingredientes eu uso para cozinhar a Terra?"

A resposta depende da época em que você nasceu. O primeiro a tentar solucionar o problema foi o filósofo grego Empédocles (490 a 430 a.C.). Para ele, era possível construir tudo o que existe na Terra com apenas quatro elementos: ar, água, fogo e terra. De acordo com a concentração de cada um na mistura, dava para fazer coisas tão diferentes como a rocha, a madeira, o vapor ou o barro. Para haver o equilíbrio e a vida continuar a existir, tais substâncias estariam sujeitas à ação de dois princípios: amor e ódio. Os dois se comportariam como as forças responsáveis por organizar e harmonizar as quatro partes essenciais, ora misturando, ora separando cada uma delas. Pronto, estava explicado o mundo.

Era uma idéia tão engenhosa que foi aceita pelas mentes mais afiadas da Grécia, entre elas a de Aristóteles (384 a 322 a.C.), que aprimorou o sistema. Para ele, amor e ódio não só misturavam os elementos como podiam transformar um em outro. Cada um dos ingredientes básicos tinha uma temperatura e uma umidade (veja ilustração ao lado) e era só mudar essas propriedades que os elementos se transformavam. Esfriando o ar, por exemplo, consegue-se água; molhando o fogo surge o ar, e assim por diante. Essa possibilidade deu origem ao sonho de encontrar a "pedra filosofal", capaz de fazer qualquer metal virar ouro. Os chamados alquimistas se esforçavam, sempre sem sucesso, para chegar lá.

Essa história - e como a química evoluiu a partir dela - é o tema do livro The Ingredients ("Os Ingredientes", ainda não traduzido), do jornalista inglês Philip Ball. Hoje se sabe que as experiências de Aristóteles nada mais faziam que trocar o estado físico da matéria. Terra era o nome dado para todos os sólidos (desde a areia até as lanças de metal), ar batizava os gases e água identificava os líquidos. Era só resfriar o vapor e transformá-lo em líquido que ele virava outro "elemento" - mesmo que tudo não passasse de água. O problema era o fogo, um fenômeno esquisito em que partículas ficavam se movimentando, excitadas pelo calor. Os antigos pensadores perceberam essa particularidade e conviveram com ela. Mas nunca a entenderam.

BRINCANDO COM FOGO

Os mistérios do fogo tiveram que esperar até o século 17 para ganharem uma explicação - mesmo assim, bastante peculiar. Nessa época, imaginou-se que as chamas não seriam um elemento em si, mas sim uma essência inflamável contida em praticamente todas as substâncias - chamada de flogístico -, que poderia ser liberada com o fornecimento de calor. Essa teoria mudou para sempre a história da química, principalmente porque nem todos concordaram em diminuir para três a lista de ingredientes no mundo. Um dos céticos era o pastor inglês Joseph Priestley (1733-1804). Ele descobriu que, com o aquecimento do óxido de mercúrio, havia liberação de um gás especial (na verdade, oxigênio) em cuja presença era possível produzir fogo com chamas muito mais intensas. Segundo a ciência da época, isso era um problema: o fogo estava aumentando quando o flogístico já havia sido consumido. O pastor denominou esse no gás de "ar sem flogístico" e, em estudos seguintes, notou que ele possuía propriedades milagrosas, capazes até mesmo de prolongar a vida. Um ratinho, colocado em uma caixa lacrada cheia do intrigante gás, sobrevivia por mais tempo que outro roedor envolto em ar comum.

Quatro anos depois, em 1778,0 químico francês Antoine Lavoisier interpretou essas observações como indícios de que esse gás era um novo elemento e batizou-o de oxigênio. A teoria do flogístico veio abaixo. Até então, acreditava-se que uma substância queimando dentro de um recipiente fechado se apagasse uma hora porque o ar ficava saturado de flogístico. Já a nova teoria propunha que o oxigênio era consumido durante a combustão, de modo que a queima terminava quando o ar ficava pobre desse gás. A compreensão mais exata do processo de queima permitiu ainda a Lavoisier identificar os três estados físicos da matéria: sólido, líquido e gasoso. Com isso, foi possível distinguir as variações de cada substância. Era o fim definitivo das confusões que descabelaram os velhos pesquisadores - água, gelo e vapor passaram a ser simplesmente água.

Daí para uma nova definição dos ingredientes do Universo foi um pulo. "Elemento é qualquer substância que não pode ser dividida em componentes mais simples a partir de reações químicas", afirmou Lavoisier, que listou 33 deles. Nem todos estavam corretos - constavam da lista a luz, o calor e a lima, hoje conhecida como óxido de cálcio, um composto resultante da combinação entre cálcio e oxigênio.

A partir desse momento, tudo era uma questão de saber se o elemento se apresentava em sua versão mais simples. Se ele pudesse ser dividido em duas coisas diferentes, é porque não era ainda o ingrediente básico. Em 1800, já se conheciam mais de 36 elementos e a tendência era que essa lista aumentasse rapidamente. Conscientes disso, os químicos passaram a ter a preocupação de criar uma maneira fácil de representar e organizar esse monte de substâncias.

O pontapé inicial foi dado por John Dalton. Ele comparou a mesma quantidade dos 36 elementos e viu quais eram mais pesados. Dividiu então os elementos tendo por base o peso, associando um desenho para cada um deles. O resultado foi um painel confuso, formado por três dúzias de símbolos esféricos. Uma solução mais prática veio do sueco Jons Jacob Berzelius em 1811. Ele propôs que cada elemento fosse representado pela inicial do nome em latim e, em caso de coincidência, pelas duas primeiras letras. Assim, oxigênio virou O e carbono passou a ser C, enquanto o cobalto tomou-se Co.

O próximo passo seria separar os elementos em grupos, de acordo com alguns critérios. O primeiro deles, proposto por Lavoisier, era dividir as substâncias em gases, não-metais, metais e "terrenos", que incluíam a lima. Dezenas de outras tentativas se seguiram até a elaboração do modelo mais aceitável, que se tornaria a base para a tabela periódica atual. O pai dessa nova disposição foi o russo Dmitri Mendeleyev (1834-1907). Ele bolou um arranjo em que os elementos apareciam identificados pelo esquema de Berzelius e dispostos em colunas verticais (a disposição horizontal era mais comum na época). Também estavam divididos por propriedades físicas e químicas e em ordem crescente de peso. Mendeleyev teve até o cuidado de deixar lacunas na tabela, para elementos a serem descobertos (e que de fato o foram). O resultado final foi a primeira versão da tabela que aparece acima.

Essa representação ganhou força com a descoberta de partículas ainda menores que os átomos. Descobriram-se prótons - partículas de carga positiva no núcleo do átomo - e nêutrons - sem carga elétrica mas capazes de aumentar o peso do núcleo. Por fim, existem pedaços minúsculos de matéria girando em volta disso tudo, os elétrons, que têm carga negativa. A diferença entre os elementos está no número de prótons que possuem. Com essa descoberta, pode-se contar o número de ingredientes do Universo: 92. Junte todos os itens da tabela acima até chegar ao urânio e você terá material para construir um planetinha bacana.

FAZENDO OURO

Não era só na química primitiva de Aristóteles que um elemento podia se transformar em outro. Milênios depois, os cientistas observaram em laboratório uma série de metamorfoses misteriosas. Um punhado de átomos de tório, por exemplo, podia começar a emitir outro elemento, o radônio, mesmo que este não estivesse ali originalmente. Como pode?

Para chegar à resposta, os cientistas precisaram conhecer as misteriosas substâncias emitidas por alguns elementos (que hoje conhecemos como radiativos"). Essas partículas - chamadas de alfa e beta - conseguem aumentar ou diminuir o número de prótons no átomo. Aprenda a lidar com elas e será possível transformar um elemento em outro. O tórío (com 90 prótons), por exemplo, emite partículas alfa até ficar com apenas 86 prótons e, assim, virar radônio.

A descoberta reviveu o sonho dos alquimistas - produzir ouro a partir de metais comuns. Os químicos tentaram até conseguir, o que ocorreu em 1941, ao extraírem um próton do núcleo de mercúrio e transformarem o metal em ouro. Só que a experiência não era tão simples, o que acabou com o sonho de riqueza instantânea desses desbravadores. A tecnologia permitia, no entanto, aumentar a tabela. Os cientistas conheciam agora os ingredientes do Universo, mas, como qualquer químico ou dona-de-casa pode lhe dizer, ater-se à receita original é coisa de principiante. A lista, na verdade, não tem fim: sempre é possível colocar um próton a mais no núcleo e conseguir um novo componente da tabela periódica. Um átomo de urânio com um próton a mais vira um netúnio, uma substância que ninguém nunca havia visto, mas que poderia ser feita em laboratório. Desde então, o grupo formado por elementos artificiais não parou de crescer, em parte graças à variedade de reações nucleares que os cientistas descobriram.

Foi possível, por exemplo, somar dois átomos e criar os maiores elementos que aparecem na tabela periódica, alguns com mais de 110 prótons. Não é uma tarefa fácil. Essa reação, a fusão de átomos, envolve energias altíssimas e técnicas que ainda precisam ser aprimoradas. Para piorar, os átomos mais pesados emitem radiação e se transformam em outros mais leves em milésimos de segundo, dificultando a observação. Encontrar um jeito fácil de somar os átomos, no entanto, é um dos grandes sonhos dos cientistas. Esse truque é tão poderoso que está nele a fonte de energia do Sol, onde 600 bilhões de toneladas de hidrogênio são fundidas a cada segundo e transformadas em hélio, em uma temperatura que alcança 10 milhões de graus centígrados.

Até hoje, os químicos conseguiram produzir e observar 116 elementos. E provável que, no futuro, essas pesquisas levem não só a mais substâncias como a uma compreensão melhor a respeito daquelas que já conhecemos. Não é pouca coisa. O nível atômico abriga as maiores energias que o homem conhece e, por conseqüência, as maiores oportunidades. Se desvendarmos os quebra-cabeças escondidos na tabela periódica, poderemos até, quem sabe, descobrir uma receita para construir novos planetas. Mas não é preciso sonhar tanto: mudar a Terra já seria um tremendo avanço.



Modelo grego

Até o século 18, acreditava-se que o mundo era feito com esses quatro ingredientes. Cada um possuía uma temperatura e uma umidade - a terra, por exemplo, era fria e seca. Para misturar tudo, era só usar amor ou ódio

Receita final

A lista de ingredientes do Universo

HIDROGÊNIO

ESTILO:O mais simples e Leve de todos na tabela. Se não estiver ligado a nenhum outro elemento, a gravidade não consegue segurá-Lo e ele vai literalmente para o espaço

HISTÓRIA: A cobaia favorita dos químicos, foi a partir dele que cientistas descobriram como funcionam os átomos

CURIOSIDADE: É o elemento mais abundante no Universo

LANTANÍDEOS e ACTINÍDIOS

ESTILO: Cada grupo tem características parecidas com o elemento que dá nome a eles – os actinídeos parecem o actínio e os lantanídeos, o lantãnio

HISTÓRIA: Foram uma das poucas mudanças na tabeLa periõdica depois de ela ser inventada por Mendeleyev, em 1869

CURIOSIDADE: São todos radiativos. Mantenha longe de crianças – e de adultos também!

CARBONO

ESTILO: Com os mesmos átomos, faz coisas tão diferentes como um diamante ou um grafite. Além disso, é a base de toda a química orgânica

HISTÓRIA: Foi a referência para medir a massa dos demais elementos

CURIOSIDADE: É bem fácil de ser manuseado em laboratório

OXIGÊNIO

ESTILO: Componente de 21% da atmosfera e essencial à vida

HISTÓRIA: Foi o primeiro elemento a ser isolado. Com isso, derrubou o modelo clássico grego, que dividia o mundo em água, fogo, terra e ar

CURIOSIDADE: Todo oxigénio existente na Terra surgiu a partir da ação de seres vivos, como plantas e bactérias

URÂNIO

ESTILO: O mais pesado dos elementos da natureza. Emite radiação, como todo bom actinídio

HISTÓRIA: Foi o último elemento natural a ser descoberto, pondo fim à pergunta que dá nome a esta reportagem

CURIOSIDADE: Atualmente é usado para geração de energia nuclear e na coloração de vidros

ELEMENTO 118

ESTILO: Ninguém sabe ao certo, até porque ele se decompõe em milésimos de segundo

HISTÓRIA: Feito em laboratório em 1999, nunca mais deu as caras. Foi retirado da tabela periódíca dois anos depois, por Ninguém confirmar a experiência que lhe deu origem. O elemento 117, por sua vez, nunca foi isolado
CURIOSIDADE: Feito com a fusão de chumbo (Pb) com criptônio (Kr)


Para saber mais

NA LIVRARIA:

The Ingredients - Philip Ball. Oxford University Press. Estados Unidos. 2003

NA INTERNET:
www.webelementss.com - História e curiosidades da tabela periódica
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sexta-feira, 26 de abril de 2013

A Palavra (Pressupostos sobre o significado)


         PRESSUPOSTOS SOBRE O SIGNIFICADO
(A Palavra)
 
A filosofia da linguagem não se ocupa especificamente do que significam palavras, enunciados ou frase individuais, qualquer dicionário, enciclopédia ou busca no site do Google podem resolver o problema do significado das palavras. O que parece que os filósofos da linguagem buscam é “O que significa para uma frase ou frase significa alguma coisa?”; “Por que as expressões têm os significados que têm?”; “Como uma expressão pode ter o mesmo significado de outra?”. E, principalmente: “Qual o significado de “significado”?
A filosofia como paixão pelo saber, mais do que uma disciplina, torna-se um eterno questionar do homem sobre si mesmo. Nesse aspecto, não são de surpreender reflexões que versem, principalmente, sobre a linguagem; como as linguagens se relacionam com a realidade, a natureza do significado, como a comunicação é possível, o que é a verdade, o que é a necessidade lógica e como a linguagem se relaciona com a mente.
 
Será trabalhado neste ensaio este problema central da filosofia da linguagem, uma tentativa de compreender o que é para palavras e expressões tornarem-se portadores de “Significados”, ou seja, discussão sobre as possibilidades da linguagem em dizer ou não algo do mundo.
O humano para lidar com o mundo físico, que lhe é inacessível em muitos aspectos, criou dois tipos de mediadores: os instrumentos, que potencializam a ação humana diante do meio em que vive, e os símbolos, que são também instrumentos para o humano, pois potencializam a função mental. Dessa maneira, através de símbolos ou signos, o humano consegue colocar um estádio de futebol na cabeça. Os símbolos agem por representação, ou seja, trocam uma coisa por outra; trocam um objeto físico por um objeto mental. Para se referir ao estádio de futebol, usamos o símbolo correspondente que pode tanto ser uma palavra, um texto ou uma figura. Para cada situação diferente no mundo, usamos uma simbologia diferente. Uma cruz simboliza religião, uma suástica simboliza o nazismo, quatro círculos supostos simbolizam o Audi, etc.
Há grandes vantagens nessa abordagem com o mundo físico. Potencializamos, por exemplo, a memória, não é preciso lembrar-se de tudo, podendo anotar tarefas numa agenda ou deixar nossos pensamentos guardados num livro.
 Também podemos lidar com coisas que não existem imediatamente na nossa frente como se lidássemos com o inexistente. Sem as palavras só conseguiríamos nos comunicar apontando o dedo para as coisas que estão em nossa frente. Como poderíamos nos comunicar se tivéssemos que apontar com o dedo para o que queremos falar? “A frase: Vou para a biblioteca da UFPB” seria uma tarefa impossível. Seria necessário apontar o dedo para o prédio da Biblioteca que deveria estar necessariamente presente em nossa frente. Daí as vantagens de usarmos símbolos no lugar de coisas grandes e pesadas do mundo físico ou diálogos com ensinamentos filosóficos, a exemplo da história grega em que  apesar de Sócrates  nunca tivesse escrito nada –Platão que escreveu, elogiou Sócrates por isso.  A conversa e a linguagem falada seriam, depois, eternizadas nos Diálogos Platônicos, e prova que  estas seriam ótimos modos  de nos comportamos no exercício intelectual. Os filósofos, especialmente os especialistas na Filosofia da Linguagem, se perguntam qual  a capacidade de dizer o que é dito; “o problema do significado” da filosofia da linguagem, nomeadamente compreender o que é para palavras e expressões, tornarem-se portadores de “significados” – ou seja, discussão sobre as possibilidades da linguagem em dizer ou não algo do mundo.
Gottlob Frege (1848-1925) desenvolveu questões que envolviam matemática e aritmética ou, talvez, filosofia da matemática. Todavia, suas investigações adentraram para o campo semântico de uma maneira abrangente e, ao serem criticadas por Bertrand Russell (1872-1970) e, depois, aproveitadas e criticadas novamente por Wittgenstein, preencheram os capítulos básicos da filosofia analítica. O caminho destas investigações, fez com que a lógica de Frege, parecesse que se desenvolvia sem que ele tivesse uma intencional preocupação –ao menos inicialmente – com problemas filosóficos em um sentido amplo. A maneira de retomar a tradicional discussão metafísica a respeito do que é – iniciou filosoficamente os estudos semânticos; para muitos, Frege foi para a Filosofia analítica, o fundador dessa corrente.
As questões sobre “o significado”, diziam os estudos de Frege, são questões sobre a lógica ou que podem ser solucionadas a partir da lógica. Os argumentos filosóficos sobre qualquer assunto (da teoria do conhecimento à metafísica, passeando pela ética, educação, política e estética) seriam satisfatórios na exata medida da qualidade  de suas estruturas lógicas. De uma maneira que ampliando os princípios básicos da lógica seria possível obter noções fundamentais da aritmética- ou seja, a solidez da aritmética seria testada e aprovada a partir de considerações puramente lógica. Assim, por exemplo, a definição de número nada mais seria que uma derivação do princípio de identidade da lógica; isto é, a=a. Toda a  
aritmética poderia ser ‘reduzida’ à lógica. A Teoria do Significado baseado na referência ou a teoria referencial do Significado tem problemas. O que Frege identifica diz respeito ao valor cognitivo dos enunciados, ou das expressões, essa questão do valor cognitivo das expressões pode se resumir nos exemplos que Frege citou e que a teoria referencial do significado não dá conta.
Se tivermos a expressão “o pico do Jabre é o pico do Jabre” temos uma tautologia, ou uma identidade, o valor cognitivo dessa expressão é zero, ela não informa nada, ela não propicia nenhuma cognição, mas a expressão “o pico do Jabre é o lugar mais alto da Paraíba”, resulta em um valor cognitivo, bem delineado, determinado, nesta expressão há a informação geográfica, há um valor cognitivo, fica-se informado de alguma coisa. Mesmo que no primeiro enunciado tenhamos o mesmo significado do primeiro, pela Teoria Referencial- a referência continua sendo o pico do Jabre, ou seja, a referência ao falarmos do pico do Jabre remete ao ponto mais alto da Paraíba, mas o ponto mais alto da Paraíba é o pico do Jabre. Então, em termos de referência, em termos de significação, não saímos do mesmo campo. O que ocorre é que temos frases com valores cognitivos completamente diferentes e a mesma referência. Ora, como isso é possível? Como podemos dizer que é a mesma coisa? A resposta é que a teoria referencial não descreve bem a atividade que significa expressões, não descreve, eficazmente, a atividade para significar expressões. Então qual seria a solução que Frege propõe? Ele propõe uma solução que não é um conserto da teoria do significado, e sim, conduz a teoria do significado para outro campo; ele “reinventa“ uma teoria do significado.
O importante, é que, independentemente da validade de tais conclusões, o que Frege forneceu para a filosofia, foi o impulso de se desvencilhar do que, naquela época, diversos filósofos vinham chamando de psicologismo. Uma teoria do significado livre de psicologismo deveria mostrar o entendimento do significado de uma palavra sem lançar mão de eventos mentais que dela resultassem.    O que temos que observar é que enunciados, expressões, frases, proposições não podem ser tratadas como palavras, nos ensina Frege, em sua teoria, é como se estivesse dizendo: “vã até o sentido e terás o modo da apresentação – e a partir deste sentido determinarás a referência.” Então quando dissemos “O pico do Jabre é o ponto mais alto da Paraíba (1100 metros acima do nível do mar), tem-se que atentar para este modo de apresentação, o Pico do Jabre está sendo apresentado como o local geográfico que é o mais alto do Estado da Paraíba e este enunciado oferece o campo semântico, ou seja, o sentido que desvenda “aquilo” que ficamos sabendo o que é o significado deste enunciado, então é que a partir dai pode-se determinar as referências. Portanto, o Significado seria determinado pelo papel que a palavra desempenha no estabelecimento das condições de verdade de sentenças em que aparece. “Como exemplo, as “seguintes frases: “A Terra é quadrada”;” O Time da UFPB jogou basquete com uma bola quadrada”; ora, percebam que Frege não estava interessado nas imagens que tais enunciados poderiam evocar à mente de alguém. E sim, interessado nas condições que teriam de existir para se estabelecer a verdade ou a falsidade de tais sentenças.
A “Virada Linguística” encaminha a filosofia para uma atenção com o “Significado”; aprendemos que os positivistas lógicos dão a tarefa para a filosofia, como a busca para o significado, enquanto a questão da “verdade” eles deixam para a ciência. Este paradigma, ou esta ideia de que a filosofia é uma atividade que tem a ver com a busca do significado e não com a verdade, não é aleatória, se os positivistas lógicos assim agem e deixam a herança para todo o século XX e agora para XXI, com esta “Virada Linguística” com a atenção para o “Significado” é porque existe uma preocupação com algumas questões, principalmente com aquelas dúvidas que surgem a respeito da linguagem e em especial de “como é que a linguagem funciona?”.
A busca do significado pelos positivistas lógicos vai desembocar na ideia que para encontrarmos o significado temos que trabalhar com um elemento que é o verificacionismo como uma base e justificação. Que o significado é encontrado a partir da possibilidade que temos de descrevermos o método de verificação de um enunciado. Ou seja, se conseguirmos fazer uma boa descrição do caminho para dizer se o enunciado é verdadeiro ou falso – teremos a compreensão do enunciado; por exemplo, “Este notebook, no qual estou digitando este ensaio, está em cima  da mesa”, neste enunciado, como pode-se afirmar se é verdadeiro ou falso? O valor de verdade desta expressão como descobrimos?  Sabe-se que há um método simples – quando chegar até a mesa e olhar e constatar se o notebook está ou não. Se estiver, o enunciado é verdadeiro. Pelo contrário, se o notebook não estiver em cima da mesa, o enunciado é falso. Portanto, caso esse enunciado pode ser descrito ele tem significado, o essencial é saber descrever esse enunciado para encontrar a verdade dele para se conhecer o significado. Entretanto, o que os positivistas lógicos, afirmam como o filósofo Frege ou o que os outros antes disseram, é que a Teoria Referencial do Significado, apesar de popular, está no âmbito do senso comum, ela não descreve a maneira como de fato podemos entender a busca do significado. A Teoria Referencial do Significado é uma teoria que subsumi ou colocam em concordância, os enunciados, as frases ou as expressões. Quando falamos em palavra a tendência nossa - do nosso senso comum é buscar a referência da palavra para dizer que ela significa aquela referência. Por exemplo, quando dizemos a palavra “Paraíba”, a referência é “Paraíba” e imaginamos que o significado da Paraíba é a referência “Paraíba”. Ao contrário, não podemos fazer isso com os enunciados.
Para Ludwig Wittgenstein (1889-1951), “a questão o que é realmente uma palavra?” é análoga a o que é uma figura de xadrez?”¹. Isto porque a palavra é elemento dos jogos de linguagem. Estes jogos são objeto de comparação, clareando as relações existentes entre palavra e significado. Esses jogos de linguagem nos permitem uma articulação intermediária de significados, pois não “temos uma visão panorâmica do uso de nossas palavras” 2,  “nossa visão panorâmica é “nossa forma de representação, o modo pelo qual vemos as coisas”3.
Usamos as palavras como forma de representação, sendo que o mais importante na palavra não é a própria palavra, mas a significação, que é social. A “palavra significa a explicação que dermos à sua significação”4, ou seja, é a explicação do uso que fazemos de tal palavra nesse jogo de linguagem que realizamos no próprio convívio social.
Uma mesma palavra pronunciada ou escrita pode ter vários significados, por exemplo: manga. O que disse? Manga. Sem um contexto ou sem uma explicação do uso que faço da palavra manga, meu interlocutor pode não compreender a que me refiro: manga de camisa? Fruta? Esse uso da palavra manga deve ser explicitado no contexto de seu uso ou na explicação de seu uso. Portanto, não é a palavra em si mesma o que é mais importante, mas a significação social e explicada do uso que dela fazemos.
Bertrand Russell (1872- 1970), juntamente com Wittgenstein, foi responsável pelo retorno do atomismo em sua versão puramente filosófica e lógica. Após vários séculos de filosofia – depois da reviravolta da subjetividade implantada por Kant (de certa forma já prenunciada pelos gregos), quando se mostra fundamental, antes de se perguntar pelo mundo em si, perguntar pelas condições de possibilidade do homem de conhecer o mundo e depois da reviravolta lógica iniciada por Frege – as questões filosóficas deslocou seu centro de estudo da realidade para o estudo das condições do homem de conhecer a qualidade terminando por chegar à capacidade da linguagem de representar a realidade. Não se podia mais, portanto, pretender falar diretamente sobre o mundo sem antes se perguntar pela nossa capacidade de acessar o mundo, e sem se perguntar pela capacidade da linguagem em falar sobre esse mundo. Os atomistas lógicos pretendiam falar sobre o mundo, mas conscientes de que esse mundo era mediado linguisticamente. Eles partiram então, do pressuposto que a linguagem era capaz de representar o mundo, ou seja, que aquilo que dizemos corresponderia a algo que existiria na realidade. Ou melhor, que aquilo que dizemos poderia corresponder a uma realidade existente.
A pergunta então seria: como a linguagem consegue representar o mundo? Como aquilo que eu digo pode corresponder a um fato do mundo? Partindo, portanto, da linguagem, eles se questionaram: não há dúvidas de que falamos sobre o mundo, que quando eu digo algo como ‘minha cadeira é vermelha’, todo mundo que fala português entende perfeitamente o que estou dizendo, e isso se refere a um fato real, ou seja, minha cadeira realmente é vermelha.
Eles observaram que uma proposição como esta não era algo logicamente simples. Quando digo que ‘minha cadeira é vermelha’, digo também que ela tem uma cor, que ela tem um dono, que ela é um objeto que tem assento, encosto, pernas, etc. Todas estas são deduções lógicas, não é preciso ir até a cadeira para observá-la, simplesmente se deduz. Dizer que ‘minha cadeira é vermelha’ é, pois, dizer tudo isso ao mesmo tempo. Eles notaram que essa análise, essa decomposição que podemos fazer com quaisquer proposições com sentido de nossa linguagem, não pode prosseguir indefinidamente. Não podem essas proposições ser infinitamente complexas porque elas se referem a fatos do mundo que não são infinitamente complexos. O final dessa análise, portanto, devia esbarrar em pontos fixos, nomes que não mais poderiam ser decompostos. E esses nomes corresponderiam a objetos indecomponíveis do mundo. E o principal problema com o atomismo lógico dizia respeito à inadequação do modo como esses filósofos defendiam que linguagem representava o mundo. Seus questionamentos partiam da necessidade de uma isomorfia entre linguagem e mundo e não de um questionamento sobre o mundo em si.
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1 WITTGENSTEIN, Investigações filosóficas. São Paulo: Abril Cultural, 1979, p.53.
2 Idem, p.56.
3 Idem, p.56.
4 MORENO, Arley R. Wittgenstein: os labirintos da linguagem: ensaio introdutório. São Paulo: Moderna, 2000, p.55.
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A Filosofia é uma atividade permanente de esclarecimento, não se pode reduzi-la a linguagem, como pretendeu a filosofia analítica. O esclarecimento permanente das questões tal como se apresentam concretamente na vida humana e não somente na linguagem, é óbvio que a análise da linguagem faz sua parte importante, como instrumento auxiliar, coisa que não pode ser exagerada, porque a maior parte dos elementos que lidamos ainda não tem uma formulação linguística de concordância unanime entre os filósofos, há elementos de experiência  interior e exterior que escapa da expressão linguística, um exemplo é o fenômeno das duas grandes guerras mundiais e das tiranias totalitárias, impondo aos seres humanos, uma quantidade de sofrimento e de situações absurdas que surgiram, as quais elas não conseguiram expressar verbalmente. Não esqueçamos que a própria lógica como disciplina científica, ela é um dos dados da situação existencial social que estamos vivendo, tem uma função dentro do universo das ciências, da tecnologia, etc., se faz mister ser analisada como força social, e não apenas  dentro dos detalhes formais da própria lógica.
O uso universal dos símbolos produz um sistema simbólico que é a definição de linguagem. Então, a linguagem é o sistema que permite a troca entre objetos da realidade física, as coisas, com objetos da realidade mental, os símbolos. A linguagem possui duas funções básicas. A primeira e principal função é a de intercâmbio social. O humano se comunica antes de aprender a falar. Sinaliza, gesticula, usa todo tipo de recurso para indicar seu estado emocional e o seu estado físico. Sabemos, por projeção das nossas próprias necessidades, quando um bebê sente fome ou dor, mas não sabemos exatamente o que ele sente. Quando um bebê chora, as mães precisam ser criativas e tentar todo tipo de solução para parar o choro da criança, pois não sabem exatamente se a criança está com fome ou se sente dor ou, ainda, se chora por manha. A segunda função da linguagem é o pensamento generalizante. Neste momento, o humano aprendeu a fazer abstrações, falando das coisas inexistentes (Saci Pererê, Cavalo Alado, Sereia, Mula Sem Cabeça, etc.) fazendo referências a elas. A ordenação do real, o agrupamento de ocorrências, a classificação e a previsão são parte dessa segunda função da linguagem. Então, o humano, aos poucos, ganha a habilidade de ser racional tão cara à nossa felicidade. É quando o humano se torna plenamente humano, dominando os processos mentais superiores, tipicamente humanos: ações conscientemente controladas, atenção voluntária, memorização ativa, pensamento abstrato, comportamento intencional.
BIBLIOGRAFIA
 
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Haching, Ian. Por que a linguagem Interessa à Filosofia?. São Paulo, (Unesp) 1999.
Lycan, William. Filosofia da Linguagem (tradução providenciada pelo Professor Dr. Giovanni Queiroz). João Pessoa, 2011.
Vygotsky, L.S. Pensamento e Linguagem. São Paulo, Martins Fontes, 1987.
Zilhão, Antônio. Linguagem da Filosofia e Filosofia da Linguagem. Estudo sobre Wittgenstein, Lisboa, Colibri, 1993