segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

O LADO BOM DAS COISAS RUINS

SUPER  Interessante

O lado bom das coisas ruins

Depressão, timidez, pessimismo... Tudo isso tem mais do que um lado bom: podem ser peças fundamentais para uma vida melhor e mais feliz.

por Maurício Hort


A mulher mais rica do Reino Unido ganhou sua fortuna escrevendo um livro juvenil durante uma crise de depressão, enquanto sustentava sua filha com ajuda do governo. Tinha acabado de perder o emprego e de se divorciar. O maior filósofo do século 20 não passou no vestibulinho do colegial e sofreu bullying na escola por escrever errado, ter péssima memória e não fazer amizades - não se interessava em conviver com pessoas. Humanos também não eram os seres prediletos do mais conhecido intérprete de J. S. Bach, que não tocava para plateias nem deixava que pessoas encostassem nele. E o inventor da lâmpada era tão avoado que foi expulso da escola aos 8 anos e precisou estudar em casa.

J. K. Rowling, Ludwig Wittgenstein, Glenn Gould e Thomas Edison. Essas pessoas atingiram o sucesso não apesar de suas falhas, mas por causa delas. Certos padrões de personalidade e de ânimo considerados até mesmo transtornos mentais foram selecionados ao longo da evolução. Talvez essas adaptações não sejam tão vantajosas hoje quanto na época em que vivíamos fugindo de predadores, lutando com rivais e caçando presas. Mas tais peculiaridades preenchem os buracos criados pela normalidade da maioria das pessoas.

Desatentos conseguem captar ao mesmo tempo vários estímulos do ambiente e, com isso, fazer associações inesperadas, criativas. Outras pessoas não conseguem se interessar pelo que há à sua volta, mas exatamente por isso concentram-se dias a fio num só raciocínio e chegam a conclusões geniais. A ansiedade nos protege de pagar para ver uma ameaça, e a tristeza e o pessimismo nos fazem desistir de ilusões.

Portanto, se você tem amigos esquisitos, sinta-se sortudo. Você se acha meio diferente? Saiba nas próximas páginas por que isso pode ser bom.

DEPRESSÃO

Do ponto de vista clínico, não há nada de bom na depressão. Ela aprisiona no sofrimento pessoas que, paralisadas, não conseguem tomar atitudes que melhorariam sua vida. Isolam-se socialmente e tendem a remoer um problema. Às vezes, até a morte. Mas não. Até ela tem seu lado positivo. Para começar a entender qual é esse lado, temos que responder a uma pergunta: por quê, afinal, a depressão existe? Uma hipótese é a de que, conforme a civilização se desenvolveu, o homem alterou seu ambiente numa velocidade maior do que sua capacidade de adaptar-se a ele. Evoluímos para viver em grupos de 50 a 70 membros seguindo o ciclo do Sol, com a preocupação de obter alimento e procriar. Agora as coisas mudaram um pouco: temos de nos preocupar com contas, imagem, carreira... E muitos planos acabam frustrados - talvez mais do que a cabeça foi feita para aguentar. Pior: temos hábitos sedentários e, graças à luz artificial, fazemos nosso corpo funcionar no tempo do relógio, e não no do Sol. Tudo isso explicaria por que a prevalência da depressão tem aumentado. "É o mesmo que ocorre com nosso sistema cardiovascular, que não evoluiu para dar conta de alimentos gordurosos e pouco exercício", afirma Paul Gilbert, da Universidade de Derby, no Reino Unido.

Mas não é só isso. Outra corrente defende que a depressão existe porque foi talhada pela seleção natural, ou seja: porque oferece vantagens a seus portadores. Segundo o médico Randolph Nesse, da Universidade de Michigan, ela teria a mesma função da dor: garantir nossa sobrevivência diante de um risco. Quando um tecido está prestes a ser lesionado durante alguma atividade física, nossos neurônios transmitem um estímulo que nos impede de seguir além de nossos limites. A depressão funciona da mesma forma - mas, em vez de impedir fisicamente que você assuma um risco, ela atua no ânimo. A euforia e a depressão serviriam para regular nossas ações na busca por um objetivo. Um dos primeiros cientistas a pensar isso como uma adaptação foi o psicólogo americano Eric Klinger. Num artigo de 1975, ele analisou como o humor melhora conforme o progresso na busca de um objetivo. Isso motiva a pessoa a continuar a se esforçar e assumir riscos cada vez maiores. Quando esses esforços começam a falhar, uma piora no ânimo a faz voltar atrás, preservar suas reservas e reconsiderar opções. Essa piora, essa depressão leve, abre espaço para a introspecção e o autoexame necessários para tomar decisões difíceis, como desistir de objetivos inalcançáveis e buscar novas metas. Foi justamente o que observaram pesquisadores da Univerdidade da Colúmbia Britânica, no Canadá. Por 19 meses, eles acompanharam 97 adolescentes, analisando sua capacidade de deixar de lado objetivos muito difíceis (ou inalcançáveis), como virar um músico famoso, e abraçar outras metas, como dar duro para entrar numa boa faculdade. Enquanto isso, os pesquisadores também observaram sintomas de depressão nos voluntários. Conclusão: as pessoas com sintomas de depressão leve conseguiam abrir mão com mais facilidade de objetivos irrealistas. Elas davam menos murro em ponta de faca. E tendiam a sair da adolescência menos machucados, mais felizes, do que os esmurradores de lâminas. 

ANSIEDADE

Você está perdido no meio do nada. E ouve um ruído longínquo de animal. O bicho pode ser um tatu ou uma onça. Se você ficar apavorado e sair correndo até um lugar seguro antes que uma possível onça se aproxime, vai ter gasto 200 calorias em 10 minutos. Se não correr e depois for surpreendido por um leão, perderá seu corpinho inteiro - isto é, 200 mil calorias. Por esse raciocínio frio e puramente matemático, valeria a pena ter um ataque de pânico se a probabilidade de o ruído ser de um leão for maior que 1 em 1 000, conclui Randolph Nesse em sua empreitada em busca das causas evolutivas de transtornos mentais. Isso justifica por que é bom sentir medo mesmo quando a ameaça é pequena. E ansiedade é isto: medo de algo que não é necessariamente real. Mais: tal como o amor, ela é uma emoção. E uma emoção é um padrão de resposta diante de situações que podem trazer riscos ou oportunidades. A paixão ajuda a cortejar um parceiro, a raiva nos afasta de alguém quando desconfiamos que fomos traídos, e a ansiedade nos faz fugir ou lutar quando sentimos ameaçados. E isso acontece sem que pensemos. Quando bate a ansiedade, o fígado começa a liberar glicose, a frequência cardíaca aumenta, menos sangue circula pela pele e mais vai para os músculos. Assim, o corpo fica preparado para reagir - a animais, à altura, a trovões, à escuridão ou ao escrutínio público. E também a coisas mais sutis, como um trabalho insuportável ou um relacionamento falido. Ou seja: a ansiedade também pode funcionar como um alarme para que você mude de vida quando necessário. Um alarme que não temos como fingir não escutar.

PESSIMISMO

Para começar, precisamos de pessimistas por perto. Como diz o psicólogo americano Martin Seligman: "Os visionários, os planejadores, os desenvolvedores, todos eles precisam sonhar com coisas que ainda não existem, explorar fronteiras. Mas, se todas as pessoas forem otimistas, será um desastre", afirma. Qualquer empresa precisa de figuras que joguem a dura realidade sobre os otimistas: tesoureiros, vice-presidentes financeiros, engenheiros de segurança...

Esse realismo é coisa pequena se comparado com o pessimismo do filósofo alemão Arthur Schopenhauer (1788-1860). Para ele, o otimismo é a causa de todo sofrimento existencial. Somos movidos pela vontade - um sentimento que nos leva a agir, assumir riscos e conquistar objetivos. Mas essa vontade é apenas uma parte de um ciclo inescapável de desilusões: dela vamos ao sucesso, então à frustração - e a uma nova vontade.

Mas qual é o remédio, então? Se livrar das vontades e passar o resto da vida na cama sem produzir mais nada? Claro que não. A filosofia do alemão não foi produzida para ser levada ao pé da letra. Mas essa visão seca joga luz no outro lado da moeda do pessimismo: o excesso de otimismo - propagandeado nas últimas décadas por toneladas de livros de autoajuda. O segredo por trás do otimismo exacerbado, do pensamento positivo desvairado, não tem nada de glorioso: ele é uma fonte de ansiedade. É o que concluíram os psicólogos John Lee e Joane Wood, da Universidade de Waterloo, no Canadá. Um estudo deles mostrou que pacientes com autoestima baixa tendem a piorar mais ainda quando são obrigados a pensar positivamente.

Na prática: é como se, ao repetir para si mesmo que você vai conseguir uma promoção no trabalho, por exemplo, isso só servisse para lembrar o quanto você está distante disso. A conclusão dos pesquisadores é que o melhor caminho é entender as razões do seu pessimismo e aí sim tomar providências. E que o pior é enterrar os pensamentos negativos sob uma camada de otimismo artificial. O filósofo britânico Roger Scruton vai além disso. Para ele, há algo pior do que o otimismo puro e simples: o "otimismo inescrupuloso". Aquelas utopias que levam populações inteiras a aceitar falácias e resistir à razão. O maior exemplo disso foi a ascensão do nazismo - um regime terrível, mas essencialmente otimista, tanto que deu origem à Segunda Guerra com a certeza inabalável da vitória. E qual a resposta de Scruton para esse otimismo inescrupuloso? O pessimismo, que, segundo ele, cria leis preparadas para os piores cenários. O melhor jeito de evitar o pior, enfim, é antever o pior.

TIMIDEZ

Escolas valorizam trabalho em grupo. Processos seletivos jogam candidatos em dinâmicas para identificar líderes natos. Empresas colocam seus funcionários em amplos escritórios sem divisórias e colhem ideias em brainstorms com uma dezena de pessoas - vale tudo, menos ter vergonha de falar besteira. Vivemos no mundo dos extrovertidos. Mas há pesquisadores que veem essa valorização do trabalho coletivo e da extroversão como um tiro no pé. "O mundo está desperdiçando o talento das pessoas tímidas", defende Susan Cain em seu livro Quiet (Quieto, sem versão brasileira), que compila estudos sobre o assunto.

Mas como a timidez pode ser positiva, afinal? Para responder a isso, precisamos esclarecer uma coisa - ser introvertido não significa ser fechado ao exterior. Muito pelo contrário. É ser sensível demais a ele. É o que tem demonstrado desde a década de 1960 o psicólogo Jerome Kagan. Em seu estudo mais importante, ele juntou 500 bebês de 4 meses em seu laboratório em Harvard para observar como reagiam quando estimulados com sons, imagens coloridas em movimento e cheiros. Então separou o grupo dos que reagiam muito - 20% deles - e o dos que reagiam pouco - 40%. Suas pesquisas anteriores lhe permitiram predizer o contrário do que a intuição sugere: os muito reativos se tornariam os futuros introvertidos. Aos 2, 4, 7 e 11 anos de idade, essas crianças voltaram ao laboratório de Kagan. As que haviam sido classificadas como muito reativas desenvolveram personalidades sérias, cuidadosas, enquanto as pouco reativas se tornaram mais relaxadas e autoconfiantes - a futura turma do fundão. Isso porque a amídala (estrutura do sistema límbico, responsável por reações instintivas, como apetite, libido e medo) é mais facilmente estimulada em crianças muito reativas. Ou seja, são mais alertas, mais sensíveis a estímulos novos. Suas pupilas se dilatam mais, suas cordas vocais ficam mais tensas, sua saliva tem mais cortisol - um hormônio do estresse - e seu batimento cardíaco se acelera mais. Um pouco de novidade já implica em vontade de se proteger. O lado negativo é que são mais vulneráveis à depressão e à ansiedade. Mas, ao mesmo tempo, podem ser mais empáticas, cuidadosas e cooperativas, desde que se sintam em sua zona de conforto. "Crianças muito reativas podem ter maior probabilidade para se tornar artistas, escritores, cientistas e pensadores, pois sua aversão a estímulos novos as faz passar mais tempo no ambiente familiar - e intelectualmente fértil - de sua própria cabeça", diz Cain. Um introvertido concentra a mente numa só atividade, em vez de dissipar energia em assuntos não relacionados ao trabalho - estudos do programador americano Tom DeMarco com 600 colegas mostram que o que define a produtividade no setor de TI não é o salário nem a experiência, mas o quão isolado é o ambiente de trabalho. A solidão também permite focar-se nas próprias falhas e treinar até chegar à perfeição. É esse tipo de prática que cria grandes atletas e virtuoses musicais.

AUTISMO

Ludwig Wittgenstein, gênio da filosofia, começou a falar só aos 4 anos. Estudou com tutores particulares em sua casa, em Viena, até os 14 anos. Sem conseguir passar no vestibulinho do colegial, foi parar em 1903 na escola técnica de Linz (a mesma de Adolf Hitler, de quem não foi colega, pois o futuro ditador estava dois anos atrasado nos estudos). Mas ele simplesmente não se interessava pelos colegas. A solidão e a dislexia fizeram dele um perfeito alvo de bullying. "Nunca consegui expressar metade do que queria. Na verdade, não mais que um décimo", contou em suas memórias. 

Assim foi o jovem Wittgenstein. Mas sua excentricidade e o fato de ter revolucionado a filosofia no século 20 não são uma contradição, segundo o professor Michael Fitzgerald, do Trinity College, em Dublin. O psiquiatra vê em sua biografia sintomas que caracterizam a síndrome de Asperger - um tipo de autismo que, aliado a um intelecto avantajado, pode ser a base da genialidade.

Todo autista se foca obsessivamente em interesses muito específicos, tem comportamentos repetitivos e não se interessa em interagir com outras pessoas. Mas, enquanto a imagem mais comum é a da criança ensimesmada balançando para a frente e para trás, o espectro do autismo vai desde o atraso mental até o desenvolvimento linguístico e cognitivo completo - caso da síndrome de Asperger. Quem tem essa síndrome não se interessa em dividir experiências e emoções, tem padrões restritos, repetitivos e estereotipados de comportamento e de interesses e não abre mão de sua rotina. Isso torna o convívio difícil - mas pode ter um efeito colateral inesperado. 

"Muitas características da síndrome de Asperger aumentam a criatividade", escreve Fitzgerald em Autism and Creativity (Autismo e Criatividade). "Pessoas assim têm uma capacidade extraordinária para focar-se em um tópico por um longo período - dias, sem interrupção nem mesmo para as refeições. Não desistem diante de obstáculos." E não é apenas a concentração. A forma como entendem o mundo é diferente. Quando veem uma coisa, apreendem o detalhe para então sistematizar como funciona o geral - enquanto a maioria das pessoas apreende o geral para depois se afunilar em detalhes. Isso é um enorme ponto positivo para engenheiros, físicos, matemáticos, músicos.

Não que não haja um lado negativo. Portadores da síndrome de Asperger também têm dificuldade em aceitar e adotar regras sociais. Por isso, muitas vezes parecem ter personalidade infantil. Quando entrou para a faculdade de engenharia, Wittgenstein se fascinou pela obra Os Princípios da Matemática, de Bertrand Russell. Em 1911, mudou-se para a Universidade de Cambridge para estudar com Russell. Nos primeiros dias, chegava à sala do mestre à noite e seguia até a manhãzinha desdobrando suas ideias como que em um monólogo. Em 1926, quando terminou a defesa oral de sua tese de doutorado, deu um tapinha nos ombros dos examinadores. "Não se preocupem. Eu sei que vocês nunca conseguirão entender", disse. Wittgenstein começou então a dar aulas. Em seus seminários, era como se não houvesse uma audiência. Lutava com seus pensamentos e volta e meia caía em silêncios que nenhum estudante ousava interromper. Qualquer comentário que considerasse estúpido era retrucado brutalmente.

Para escrever Investigações Filosóficas, sua maior obra, ficou isolado numa cabana na Irlanda. Certa vez, o caseiro, que o havia visto conversando, perguntou-lhe se tivera uma boa companhia. A resposta foi: "Sim, falei muito com um ótimo amigo - eu mesmo". Numa carta a Bertrand Russell, escreveu: "Estar sozinho me faz um bem infinito, e não acho que agora poderia suportar a vida entre pessoas". O único grande prazer social do filósofo era discutir seus interesses - lógica, linguística e música. O mundo real pouco lhe importava.
O gene da engenharia
Todo engenheiro é um pouco autista. Essa é a conclusão, polêmica, do psiquiatra Simon Baron-Cohen, de Cambridge. Simon buscava identificar se estudantes com sintomas da síndrome de Asperger tinham predisposição a escolher alguma área específica de conhecimento. Fez um levantamento com graduandos de Cambridge e viu que alunos de exatas eram os mais propensos a ter os sintomas. O estudo fez barulho suficiente para que os pais de alunos de Eindhoven, na Holanda, entrassem em contato com ele depois de identificarem uma epidemia de autismo na cidade, conhecida pela concentração de empresas tecnológicas. Baron-Cohen comparou Eindhoven com Haarlem e Utrecht - que têm número semelhante de habitantes - e levantou a porcentagem de pessoas empregadas em tecnologia: 30, 16 e 17%, respectivamente. Depois, pesquisou a prevalência de autismo diagnosticado nas cidades: 229 por 10 mil crianças em Eindhoven, contra 84 e 57 nas outras. Para Baron-Cohen, isso é indício de que regiões onde pais têm empregos relacionados à "sistematização", como o da tecnologia da informação, terão uma taxa de autismo maior em suas crianças. É um resultado polêmico: indica que as pessoas naturalmente mais aptas para as ciências exatas carregam mais genes ligados ao autismo do que a média da população. E mais: é uma evidência de que essa aptidão seja, por si só, uma forma leve de autismo.


Einstein, o autista
O psiquiatra Michael Fitzgerald identificou traços da síndrome de Asperguer, uma forma moderada de autismo, em 42 personalidades históricas. Conheça algumas delas.

ALBERT EINSTEIN
"Meu senso de justiça e de responsabilidade social sempre se contrastou com minha falta de necessidade de contato direto com outras pessoas ou comunidades. Sou de fato um viajante solitário e nunca pertenci a meu país, à minha casa, aos meus amigos ou mesmo à minha família", escreveu o físico nos ensaios Como Vejo o Mundo.

GLENN GOULD
Um dos maiores pianistas do século 20 não deixava ninguém tocá-lo e, quando mais velho, só se comunicava com o resto do mundo por telefone ou por cartas. Aos 32 anos parou de tocar em público e se fechou no estúdio. Afinal, para ele tocar música era um ato tão íntimo que não dava para conciliá-lo com a audiência.

LEWIS CARROLL
O escritor americano Mark Twain chegou a dizer que Carroll, matemático autor de Alice no País das Maravilhas, era interessante "somente para olhar." Era o homem "mais estiloso e mais tímido" que já tinha visto. Não dava autógrafos nem deixava ser retratado - mesmo sendo ele mesmo um fotógrafo amador. "Minha aparência e minha escrita pertencem somente a mim", escreveu em uma carta.

FRACASSO

Quando destruímos um relacionamento, somos demitidos ou vivemos qualquer outra grande frustração nessa linha, não tem muito jeito: sentimos não só que um plano deu errado, mas que falhamos como pessoa.

Nossa mente, porém, evoluiu com uma defesa contra isso: ela ignora o que não quer saber. Uma área do cérebro chamada córtex cingulado anterior é ativada quando percebemos que alguma coisa deu errado. É como se fosse o mecanismo do "putz!". Com ele, excitamos mais uma região - o córtex pré-frontral dorso-lateral. Ele é o "censor" da mente, responsável por apagar determinado pensamento.

Esse mecanismo duplo - primeiro o "putz" e depois o "esquece" - permite editar nossa consciência conforme nossa vontade. Assim, conseguimos deixar para trás nossos fracassos.

Isso também acontece com cientistas. No início da década de 1990, Kevin Dunbar começou a observar os laboratórios de bioquímica da Universidade de Stanford. Descobriu que a metade dos dados obtidos nas pesquisas não batia com o que suas respectivas teorias previam. Os resultados às vezes simplesmente não faziam sentido. A reação então era típica: primeiro, os pesquisadores procuravam um bode espiatório - alguma enzima ou máquina devia não ter funcionado direito. Então repetia-se o experimento. Quando o resultado inesperado acontecia de novo, o experimento inteiro era considerado um fracasso e acabava arquivado. O que os pesquisadores não percebiam é que o mecanismo "putz, esquece" de sua mente os cegava. Dunbar então observou grupos de estudo com pesquisadores de diferentes áreas - biólogos, químicos e médicos. O fato de ter pessoas com um olhar de fora fez com que os bioquímicos, em vez de jogar fora o experimento, abrissem os olhos e repensassem suas teorias. Assim puderam reavaliar suas convicções e muitas vezes encontrar o caminho que funcionava. Moral da história: entender o porquê de um fracasso pode ser o melhor atalho para o sucesso.

É mais ou menos o que aconteceu com a britânica Joanne Rowling. Quando era adolescente, tudo o que seus pais esperavam dela era que não fosse pobre como eles. E tudo o que ela queria era ser escritora. Para arranjar um meio-termo entre seu desejo e o dos pais, fez faculdade de letras. Terminados os estudos, sua vida virou uma sucessão de fracassos. Tentou agradar os pais trabalhando num escritório, mas não suportava a chatice do dia a dia. Quando a mãe morreu, mudou-se para Portugal para dar aula de inglês. Em 3 anos, casou-se, teve uma filha e se divorciou. Desempregada e descasada, mudou-se para a Escócia, onde, deprimida, foi viver da ajuda financeira do Estado. Quando Joanne estava no ponto mais fundo de seu fracasso, começou a escrever um livro. Levou um "não" de 8 editoras - até conseguir uma que publicasse seu Harry Potter e a Pedra Filosofal. Adotou o nome artístico de J. K. Rowling e, em 3 anos, se tornaria a mulher mais rica do Reino Unido. E, para ela, o ingrediente de seu sucesso foi o fracasso. "O fracasso significa eliminar tudo o que não for essencial. Parei de fazer de conta para mim mesma que era uma pessoa diferente e comecei a direcionar toda minha energia em terminar o único trabalho que importava para mim", disse a uma plateia de graduandos de Harvard durante uma conferência do TED (instituição que organiza conferências sobre novas ideias). E arrematou: "Me senti liberta, porque meu maior medo já tinha acontecido. E ainda assim eu continuava viva".

DÉFICIT DE ATENÇÃO

De 3 a 5% das crianças em idade escolar são daquelas distraídas e agitadas, que perdem tudo, não conseguem fazer a lição, não esperam sua vez e agem sem pensar. Têm o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Quando crescem, os sintomas diminuem, mas os problemas, não. Podem até piorar - afinal, as responsabilidades são outras. O que se esquece não é mais a lição de casa, mas prazos e reuniões. Trabalhos são abandonados pela metade, ordens são ignoradas. A impulsividade pode custar o emprego ou o relacionamento. Por que isso é tão comum? A resposta é semelhante à da ansiedade e da depressão - essa característica já foi uma vantagem adaptativa, até que a cultura e o ambiente mudaram. Em sociedades nômades, quem tem foco de atenção disperso é capaz de cuidar melhor de seu gado, explorar áreas desconhecidas e ficar alerta para ameaças. Dan Eisenberg, da Northwestern University, EUA, observou em tribos africanas nômades e sedentárias. Entre os nômades, os que tinham o alelo 7R (ligado ao TDAH) eram mais bem nutridos do que os sem. Já nas sedentárias, acontecia o contrário. Em outras palavras, conforme o homem se estabeleceu num só lugar e começou a viver de atividades que exigem mais foco, a atenção dispersa virou desvantagem. Mas não tanto. Os mesmos genes que hoje estão associados ao risco são responsáveis por revoluções nas artes, ciência e exploração, acredita o psiquiatra Michael Fitzgerald, do Trinity College. Michael, que já tinha procurado traços de autismo na biografia de personalidades, não demorou para fazer o mesmo com o TDAH. Segundo ele, sintomas de déficit de atenção estão presentes em Thomas Edison, Oscar Wilde, Kurt Cobain (que foi diagnosticado quando criança) e até em Che Guevara. Quem tem a cabeça na Lua pode encontrar lá em cima coisas que pessoas com o pé no chão não veem.
Superávit de criatividade
Quem tem TDAH é ótimo em brainstorms, pois não se sente inibido para dar ideias aparentemente estranhas. As psicólogas americanas Holly White e Priti Shah testaram um grupo de 90 universitários divididos entre os com e os sem TDAH. Elas pediram para que cada grupo propusesse usos para um tijolo e para um balde em 2 minutos. Resultado: os desatentos se deram melhor no número de usos, na diversidade dele e, principalmente, na originalidade. Entre as soluções do grupo com TDAH estavam usar o tijolo para escrever em superfícies como concreto ou o balde como guitarra - se você adicionar cordas e um pau ali. Só faltava verificar isso no mundo real. As pesquisadoras, então, fizeram isso num segundo estudo, de 2011. Deram a 60 universitários um questionário sobre quais seus êxitos em 10 áreas criativas: artes cênicas, humor, música... Os desatentos tiveram níveis mais altos em todas as categorias.

Para saber mais

QUIET
Susan Cain, Ed. Crown, 2012.

THE OPTIMISM BIAS
Tali Sharot, Ed. Random House, 2011 

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

FATALIDADE, Destino


Fatalidade ou...Não? #EduardoCampos 10-08-1965 -----13-08-2014
• O mundo líquido em que vivemos estimula as pessoas a buscarem respostas em discursos como o da Filosofia Pura ou Filosofia Espírita. Então, vejamos o significado da palavra "fatalidade".
Fatalidade é a marca do que é fatal, a força que predispõe irrevogavelmente os acontecimentos, o destino. Fatal é aquilo que é certo, prescrito pelo destino, irrevogável, que necessariamente acontecerá, inevitável, decisivo, inadiável, funesto, nefasto.
Na obra-prima de Sófocles, Édipo rei, a tragédia do homem perseguido pela fatalidade do destino: transformado em rei, busca um assassino que, na verdade, é ele mesmo, descobrindo, ao final, ter matado seu próprio pai e desposado a própria mãe.
No capítulo "Da lei de liberdade" de O Livro dos Espíritos Allan Kardec analisou com lucidez diversas questões relativas à fatalidade, dedicando-lhes uma seção inteira. A fatalidade existe unicamente pela escolha que o Espirito fez, ao encarnar, desta ou daquela prova para sofrer Escolhendo-a, instituiu para si uma espécie ..

As duas últimas acepções do adjetivo fatal indicam algo de caráter negativo. Na concepção vulgar, esse aspecto mistura-se às primeiras acepções, resultando daí a idéia de que a fatalidade é a ocorrência inevitável de alguma coisa ruim. Essa associação da predeterminação com algo trágico, nefasto, porém, não é necessária. Em um sentido geral, a noção de fatalidade é neutra quanto à natureza boa ou má dos acontecimentos.

Como o próprio termo indica, dizer que um fato está predeterminado é afirmar que sua ocorrência é determinada de maneira certa pelo estado de coisas que a antecede. A noção de predeterminação pressupõe a existência de uma como que "amarração" entre os acontecimentos: uns levariam a outros infalivelmente.

Quando consideramos os acontecimentos do mundo de um modo geral, são concebíveis três possibilidades: 1) todos estariam predeterminados (determinismo); 2) nenhum estaria predeterminado (aleatoriedade); e, 3) apenas alguns estariam predeterminados. É esta última posição, intermediária entre os dois extremos, que é aceita pela ciência contemporânea e pelo Espiritismo. E EU escolho esta.


quarta-feira, 23 de julho de 2014

O EXISTIR NO PLANETA TERRA

 O EXISTIR NO PLANETA TERRA
("O Existencialismo é um Humanismo"  (Jean-Paul Sartre)
É, não nos restam dúvidas que nossa civilização está à beira do colapso. Nunca antes estivemos mergulhados em tantas crises ao mesmo tempo: superpopulação humana, pobreza e desigualdade social, crise financeira mundial, crise alimentar, crise energética, escassez de água e petróleo, consumismo frenético, ameaças de terrorismo e guerras nucleares, o reaparecimento de doenças mortais, escândalos envolvendo políticos, quedas de governos, mudanças climáticas e o aumento impressionante das catástrofes naturais e da extinção de espécies, além do agravamento da violência e distúrbios civis.
 
 
 
Para Sartre, o existencialismo é um humanismo, pois é a única doutrina que dá ao homem uma possibilidade de escolha.Em seus argumentos iniciais, ele diz que existem duas espécies de existencialistas, os CRISTÃOS e os ATEUS. Entretanto, há um ponto comum entre eles. O ponto em comum entre eles é o fato de admitirem que a existência procede a essência, em outras palavras, que temos de partir da SUBJETIVIDADE. O Homem é antes de tudo, um projeto que se vive subjetivamente; em vez de ser um creme, ou uma  couve-flor, o homem será o que tiver  projetado ser. Então, pergunto será mais atrativo projetar ser o que leva a auto destruição?

É,
... milhares de pessoas se drogando, cometendo suicídio, assassinatos,bullying, orgia sedutora, ovelhas negras, corruptos pegando milhões de dólares e etc..dormindo cedinho vai ter pessoas fazendo churrascão na laje com as piriguetes, vai ter funk, pagode, rock, pop, metal o dia inteiro e bebedeiras, teoria paranoica dos Maias(ou será MALAS?) .
Esse bate-papo, com amigos do facebook, já é suficiente para ultrapassarmos o grande Oscar Niemeyer. Quando olho para um pequeno beija-flor: somente um pequeno e lindo ser desses, já é pretexto para continuarmos na luta. A fé, para os crentes; o futebol, para os peladeiros; o brinquedo, para as crianças; a canção, para os seresteiros e tantos outros sinais que nos abraçam a cada dia. Quando o mundo parece feio, não é o mundo: somos nós. Como os passarinhos que cantam por hábito e se alegram por ofício, podemos exercitar o bom humor. No meu caso, se o dinheiro acabou, mas a felicidade permanece e relembra um grande amigo. A cada dia, quando eu lhe perguntava “Como está?” ele respondia “Cada vez melhor!”. Enfim, quando estiver triste, grite ou cante “Cada vez melhor!”. Observe alguns dos sinais...
"A vida é um caso muito sério. Ela merece ser vivida, até o último segundo, independentemente dos problemas que tivermos, na sua transposição." ( como escreveu Giovanni Passini).

É, a vida é um caso muito sério. Ela merece ser vivida, até o último segundo.
não nos restam dúvidas que nossa civilização está à beira do colapso. Nunca antes estivemos mergulhados em tantas crises ao mesmo tempo: superpopulação humana, pobreza e desigualdade social, crise financeira mundial, crise alimentar, crise energética, escassez de água e petróleo, consumismo frenético, ameaças de terrorismo e guerras nucleares, o reaparecimento de doenças mortais, escândalos envolvendo políticos, quedas de governos, mudanças climáticas e o aumento impressionante das catástrofes naturais e da extinção de espécies, além do agravamento da violência e distúrbios civis.  
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não nos restam dúvidas que nossa civilização está à beira do colapso. Nunca antes estivemos mergulhados em tantas crises ao mesmo tempo: superpopulação humana, pobreza e desigualdade social, crise financeira mundial, crise alimentar, crise energética, escassez de água e petróleo, consumismo frenético, ameaças de terrorismo e guerras nucleares, o reaparecimento de doenças mortais, escândalos envolvendo políticos, quedas de governos, mudanças climáticas e o aumento impressionante das catástrofes naturais e da extinção de espécies, além do agravamento da violência e distúrbios civis.  
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não nos restam dúvidas que nossa civilização está à beira do colapso. Nunca antes estivemos mergulhados em tantas crises ao mesmo tempo: superpopulação humana, pobreza e desigualdade social, crise financeira mundial, crise alimentar, crise energética, escassez de água e petróleo, consumismo frenético, ameaças de terrorismo e guerras nucleares, o reaparecimento de doenças mortais, escândalos envolvendo políticos, quedas de governos, mudanças climáticas e o aumento impressionante das catástrofes naturais e da extinção de espécies, além do agravamento da violência e distúrbios civis.  
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domingo, 20 de julho de 2014

HISTÓRIA DO RACISMO NO BRASIL

RACISMO À BRASILEIRA
"No Brasil das décadas de 1930 e 1940, a “educação eugênica” foi aplicada às crianças, em especial aos filhos da classe trabalhadora mais empobrecida, A eugenia e seu par inseparável, o autoritarismo, marcaram profundamente a educação no Brasil na primeira metade do século XX." (Sidney Aguilar Filho).
Nesta década, a educação eugênica foi aplicada às crianças, especialmente as negras.

O filósofo Habermas acreditava que a eugenia liberal, principalmente a eugenia positiva, causa graves danos à nossa auto compreensão normativa moderna - em outras palavras, a nossa moral convencional. A responsabilidade, imputabilidade e simetria nas relações entre os membros da comunidade moral são afetadas. Segundo o filósofo, a eugenia positiva cria uma relação assimétrica entre a prole e seus progenitores. Quanto à responsabilidade, ele acredita que os indivíduos resultantes de intervenções eugênicas positivas seriam incapazes de compreender-se como autores indivisos de seu projeto racional de vida. Essa intromissão na determinação no projeto racional de vida de outra pessoa consistiria num tipo de violação da liberdade ética ou a de escolher a maneira de buscar a própria felicidade, garantida pelas constituições liberais e democráticas.
 A antropometria e a frenologia, estudos utilizados para classificar indivíduos e grupos humanos por meio das dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas ou do nariz. Utilizados pelos nazistas, alguns traços eram considerados como indicadores da degeneração biológica (fotos acima).

 ESTIMULO À EUGENIA  (Constituição BRASILEIRA de 1934 !)
Na Constituição brasileira de 1934, em seu artigo 138, está escrito que “Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis respectivas: b) estimular a educação eugênica”. No Brasil das décadas de 1930 e 1940, a “educação eugênica” foi aplicada às crianças, em especial aos filhos da classe trabalhadora mais empobrecida, sobretudo, nos termos da época, entre “órfãos e abandonados, pretos ou pardos, débeis ou atrasados”.
Nada menos que três dos ministros da Educação, durante a Era Vargas, identificaram-se com esse ideal de base racista. Francisco Campos (1891-1968), Belisário Penna (1868-1939) e Gustavo Capanema (1900-1985) defenderam abertamente concepções eugênicas, assim como outros intelectuais da Educação, na época, também defenderam argumentos semelhantes. Lourenço Filho (1897-1970), por exemplo, concluiu com suas pesquisas que haveria uma relação entre velocidade de aprendizagem e “cor” – defendeu que as crianças pretas possuiriam um déficit natural em relação às brancas na capacidade de aprendizagem, e isso deveria ser levado em conta na composição das “salas seletivas” ou no “uso de mecanismos corretivos” no processo de aprendizagem. Ou ainda, Afrânio Peixoto, que, em sua obra Noções de História da Educação (1936), defendeu a segregação de crianças e adolescentes “degenerados” como forma de garantir a “saúde da Nação”.

 O termo “eugenia” (“boa geração”) foi cunhado, em 1883, pelo antropólogo inglês Francis Galton. Eugenia seria a ciência que lida com todas as influências que supostamente melhoram as qualidades inatas de uma pressuposta raça em favor da evolução da humanidade. Na afirmação de Galton, os cérebros de uma “raça-pátria-nação” encontravam-se sobretudo em suas elites, e aí se deveria concentrar a atenção e os esforços para o aprimoramento. Seria estatisticamente “mais proveitoso” investir nas elites e promover o “melhor estoque do que favorecer o pior”. Galton procurou demonstrar que as características humanas (inclusive as intelectuais, culturais e morais) decorriam da hereditariedade mais que da própria história.

Ao longo das primeiras décadas do século XX, o pensamento eugenista tornou-se cada vez mais geneticista. O evolucionismo social procurou “mais na origem genética e menos nas alterações genéticas herdadas” as explicações e justificativas para “eugenia e disgenia”. A “pureza” da origem, ou a falta dela, ganhou status explicativo da “superioridade e da inferioridade” humana e da nação.
No Brasil, as relações socioeconômicas sustentadas na lógica eugenista foram profundamente marcadas pela história escravocrata. Durante o século XIX, a ideologia da eugenia expandiu-se no mais tardio reduto escravocrata do mundo. Para quem defendia o direito do proprietário sobre uma propriedade humana, essa lógica chegou com a intenção de legitimar a escravidão ou, diante do seu fim, fortalecer a ideia de que a liberdade não seria acompanhada de igualdade. Os trabalhadores imigrantes europeus, que, no século XIX, haviam sido considerados até a “salvação da raça brasileira” pelos racistas de então, tornaram-se, na visão dos racistas da República, que engatinhava no início do século XX, cada vez mais estrangeiros sujeitos à xenofobia e a diversas formas de preconceitos, difundidos no cotidiano de maneira crescente. O imigrante pobre passou a ser associado à barbárie e sujeito às perseguições, em graus diferentes de opressão. Os japoneses e os médio-orientais, sobretudo muçulmanos ou judeus, foram unidos, por essa ideologia, aos trabalhadores nacionais identificados com a escravidão (pretos e pardos, na linguagem documental da época), tidos como mais degenerados e perigosos.
As defesas do bem comum e da coisa pública foram os argumentos sistematicamente utilizados por legisladores da Assembleia Constituinte de 1933-1934, em especial na bancada liderada por Miguel Couto (1865-1934), como justificativa para a desigualdade de direitos com base na eugenia. Assim foram traçadas as políticas públicas na área da Educação. Formar o cidadão como um trabalhador perfeito a ser engrenado na máquina de produção, e educar o indivíduo para a vida da ação tornaram-se ações centrais nas leis, discursos e práticas educativas, principalmente as escolares.
Os eugenistas tentaram “naturalizar” o processo histórico das sociedades nas quais se inseriam. No Brasil, criaram um plano teórico gelatinoso, modernizante-conservador, o qual subsidiou e influenciou a educação. Ideias que chegaram às leis e às políticas públicas. A sociedade brasileira era vista por esses grupos como um organismo vivo, único e coletivo, preso pela genética a determinações políticas, culturais e sociais. O determinismo biológico primava sobre as características históricas para fundamentar estratégias de controle e manipulação social.
 PLÍNIO SALGADO -- CHAMAVA  o racista Oliveira Viana de: "O maior dos sociólogos"...
O destaque dessa corrente de pensamento no país foi Oliveira Viana (1883-1951), reconhecido por defender a existência de uma única “raça”, a “ariana”, e explicar todo o “restante” da humanidade pela “degenerescência”. A concepção racista da “origem poligênica da humanidade” fora rejeitada por religiosos em virtude de contrapor-se ao criacionismo monoteísta. Oliveira Viana foi membro da Subcomissão do Itamaraty e, dentro dela, da comissão responsável pelos assuntos “Religião e Família, Cultura e Ensino Nacional, Saúde Pública e Colonização”, na qual nasceu o artigo 138 da Constituição de 1934. Ele enxergava a história dos povos a partir de determinantes biológicos. Para ele, referir-se ao corpo da nação como um ser orgânico não era uma metáfora política roubada da biologia nem um corporativismo simplista, e sim uma realidade inexorável em sua visão determinista “histórico-biológica”. Viana, que clamava por uma “engenharia racial”, era chamado por Plínio Salgado (1895-1975) – o líder da Ação Integralista Brasileira – de “o maior dos sociólogos”.
 A segregação e a desigualdade de direitos entre cidadãos foram legalizadas, teorizadas e praticadas no Brasil !

 Ao justificar a intromissão e a intervenção do Estado tanto na vida pública quanto na vida privada dos indivíduos, o pensamento eugenista revelava seu caráter autoritário. Intervenção no amor, no trabalho, na política, no conjunto das relações sociais, sem permitir qualquer liberdade de participação nas decisões, pois as justificativas estavam na pretensa verdade absoluta da ciência. As instituições autoritárias e as práticas de segregação se reforçaram mutuamente na área de Educação, pela prática da exclusão, da desigualdade de direitos de cidadania de crianças e adolescentes, pela condição econômica ou por sua “origem”.

BRASIL DE VARGAS  (1930 -1945) --- segregação racial como política estatal.
Um olhar sobre o Brasil de Vargas (1930-1945) revela a segregação racial como política estatal, implodindo a teoria da “democracia racial” brasileira. Antes, ao contrário, confirmam o autoritarismo extremado do Estado brasileiro e de seus detentores contra setores específicos da sociedade. Os estudos mais recentes sobre a temática mostram, superando os desconfortos, que a segregação e a desigualdade de direitos entre cidadãos foram legalizadas, teorizadas e praticadas no país.
Ultrapassadas as teorias racistas, depois do holocausto produzido pelo nazismo, a lógica que divide a humanidade em raças hierarquizadas entre si felizmente conheceu seu declínio. Após a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), a temática da eugenia e de suas práticas no Brasil foi transformada em tabu, e o mito da “nação sem preconceitos” se consolidou. A igualdade entre todos, mais do que realmente construída historicamente, foi presumida e auxiliada pelo esquecimento de um passado constrangedor. Na última década, no entanto, ressurgiram os debates a respeito do determinismo genético nos processos educativos e a crescente medicalização da educação escolar. Por isso, precisamos estar atentos a fim de evitarmos os “cochilos” da História.

 A SOCIEDADE IDEAL RETRATADA NA "República de Platão"

 No âmbito da Filosofia, propriamente dito, a sociedade ideal retratada na República de Platão, uma sociedade de castas genéticas, é um exemplo de organização social fundada na constituição natural dos indivíduos. Para Platão, a sociedade deveria ser dividida em três classes: guardiões, produtores e governantes filósofos. A base da classificação das pessoas em cada classe é relativa à maneira como estão ordenados os três elementos na alma, a saber, apetite, espírito e razão. Platão traça uma correspondência entre os elementos psíquicos do indivíduo e a classe social à qual ele pertence. Da perspectiva platônica, justo é que cada classe social restrinja- se a realizar as atividades para qual a natureza melhor dotou. Esse tipo de sociedade é inaceitável às sociedades democráticas contemporâneas, como é o caso da sociedade brasileira.


 Francis Galton, primo de Charles Darwin, criou o termo eugenics para referir-se a um estudo, que investigava as ações sobre controle social, um programa, que consistia na doutrina do progresso ou evolução, e a uma religião, em que a eugenia seria um tipo de humanismo evolutivo.

  Habermas recorre à distinção entre eugenia negativa e positiva para discriminar os casos permitidos dos não permitidos. É importante ressaltar que o uso de Habermas dos termos eugenia negativa e positiva é significativamente distinto do que foi feito pelos eugenistas no final do século XIX e início do século XX (1870-1950), nos EUA, Europa e, inclusive, no Brasil. O termo eugenics foi cunhado pelo primo de Charles Darwin (em 1883), Francis Galton, para referir-se a um estudo, um programa e uma religião. Enquanto um estudo, a eugenia investigava as ações sobre controle social que podem aperfeiçoar ou prejudicar as qualidades raciais das gerações futuras, seja fisicamente ou mental mente. Enquanto um programa, consistia na doutrina do progresso ou evolução, particularmente da raça humana, mediante o melhoramento das condições nas relações dos sexos, que implicava na determinação dos aptos e dos inaptos a reproduziremse. A substituição da seleção natural pela seleção artificial, consciente e premeditada dos aptos a reproduzirem- se na esperança de acelerar a evolução dos traços desejáveis e a eliminação dos indesejáveis. Enquanto uma religião, a eugenia seria um tipo de humanismo evolutivo. O ápice do projeto eugenista do passado foi, como é bem conhecido, catastrófico, pois foi vinculado com os ideais racistas nazistas e culminou em Auschwitz. Entretanto, a questão normativa da eugenia liberal não é, ao menos para Habermas, do mesmo calibre, pois, em vez de consistir numa limitação dessa mesma liberdade, é uma extrapolação que afeta a liberdade ética do ser humano geneticamente manipulado.

FONTES DA PESQUISA:
1- Sidney Aguilar Filho é autor da tese “Educação, autoritarismo e eugenia: exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil” (Unicamp, 2012).
Saiba mais
2-BAIA HORTA, Joaquim Silvério. O hino, o sermão e a ordem do dia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.
3-BITTENCOURT, Circe. Pátria, civilização e trabalho. São Paulo: Loyola, 1990.
4-D’ÁVILA, Jerry. Diploma de brancura. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.

segunda-feira, 24 de março de 2014

CONTRA O DISCURSO AUTORITÁRIO

CONTRA O DISCURSO AUTORITÁRIO
Recentemente acompanhei a perseguição de uma ONG a uma professora pela adoção de determinadas obras como bibliografia para seu curso, No entendimento da ONG tratava-se de literatura de esquerda, prejudicial aos alunos. O argumento era de que o uso em sala de aula de textos de Milton Nascimento e Chico Buarque dentre outros, serviam para a doutrinação ideológica.
O caso não é isolado. Certo tipo de opinião conservadora tem crescido à custa de uma fragilização do pensamento e falta de bom senso das pessoas. Não é difícil ouvir nas rádios e TVs exemplos de discursos autoritários durante os noticiários. Também não é difícil encontrar blogueiros e colunistas fazendo um jornalismo que prega a manutenção de valores morais sem dizer que valores são esses e sem saber defendê-los.
Os discursos vazios a que me refiro lançam mão de uma defesa incontestável da liberdade. Como se a liberdade fosse um valor tal que nada mais é precioso. O exercício da liberdade de forma absoluta gera uma desigualdade desnecessária. Se cada um faz o que bem entende, as pessoas se distanciam e é inevitável que os projetos individuais passem a se sobrepor, gerando conflitos. Esse pensamento não pode ter espaço em um ambiente de convívio mútuo. O resultado é o crescimento de práticas autoritárias legitimadas por um discurso de liberdade e justamente por isso essas práticas quase não são combatidas. O discurso autoritário é construído com argumentos simplistas. Trata-se, portanto, de uma situação delicada que merece um pouco mais de atenção.As pessoas estão perdendo de vista a realidade processual das coisas e requisitam soluções imediatistas para tudo, como encontram nos manuais, nos filmes e nas novelas, Já o pensamento filosófico, muitas vezes, revela a miséria humana e evidencia a dificuldade de mudança. Autores são esquecidos ou poucos visitados  porque mostram o que  não se  quer ver. Em uma realidade como essa, os discursos românticos ganham força e o próprio liberalismo vai sendo banalizado e passa a ser entendido apenas como uma prática da liberdade. Sua banalização esconde uma miséria ainda maior e fragiliza o entendimento dos homens que passam a defender bandeiras que não entendem de fato. Assim, o pensamento liberal vai se transformando em uma grande  desculpa para concretizar um modo de ser autoritário, a partir do qual, em prol da liberdade, tudo se pode fazer.
Texto de Rafael de Paula Aguiar Araújo*

------------------------------------------------------------------------------------------------------------* Rafael de Paula Aguiar Araújo é Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC- SP)
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CONTINUA...

sábado, 22 de março de 2014

SOCIALIZAR A FILOSOFIA 
Marcos Carvalho Lopes é autor deste Livro Canção, estética e política: ensaios legionários em que analisa as letras e a estética da banda Legião
Urbana,liderada por #RenatoRusso (1960-1996) É um pesquisador daquilo que é denominado, na ausência de melhor termo, de "cultura popular", mas jamais confundir a seriedade de suas reflexões com a frivolidade de certos livros caça-níqueis que lotam as prateleiras das livrarias.
Marcos Carvalho já escreveu sobre Noel Rosa (1910-1937), Cazuza (1958-1990), Caetano Velosos e baile funk (!!!!!), E qual sua intenção?
Óbvio que é fazer uma ponte ou aproximar sua área de conhecimento da vida cotidiana, livrar os autores clássicos e contemporâneos das amarras de uma linha única ( e autoritária) de aprendizado, de modo a contribuir para um processo de socialização do saber filosófico.
Felizmente, marcos Carvalho não é um caso isolado de professores que LUTAM POR UMA EDUCAÇÃO EMANCIPADORA, ATUALIZADA E MÚLTIPLA...
Ou seja a luta e combate contra a introdução de certos autores na ementa dos cursos normalmente é uma triste------ e simplista -- FORMA DE DISCURSO AUTORITÁRIO...Um pequenino trecho: "O saber estanque e enfadonho, preso aos cânones e as formas fechadas de interpretação, é a melhor maneira para (NÃO) aprender a Filosofar (FILOSOFIA (bem) ENSINADA) "..Marcos Carvalho

terça-feira, 18 de março de 2014

Kant - a "revolução copernicana": A resposta ao problema do conhecimento


Na Crítica da Razão Pura, o filósofo alemão Immanuel Kant (1724-1804) tinha um problema a resolver, que dizia respeito à seguinte questão: como posso obter um conhecimento seguro e verdadeiro sobre as coisas do mundo? A resposta de Kant iria mudar o rumo da Filosofia Ocidental.

Duas escolas filosóficas, tradicionalmente, respondiam de formas diversas ao problema do conhecimento. Para os filósofos racionalistas (PlatãoDescartes, Leibniz e Espinosa), todo conhecimento provém da razão, enquanto que, para os empiristas (AristótelesHobbesLocke, Berkeley e Hume), ao contrário, somente os dados da experiência sensível forneceriam as bases para o conhecimento humano.

Tanto em um como em outro caso, surgem obstáculos. A razão especulativa, na medida em que deixa de validar suas investigações em testes práticos, torna-sedogmática. Já o empirismo encontra oposição no ceticismo, que argumenta que a Natureza é o reino do contingente e, por esta razão, não pode ser fonte deconhecimento universal.

O filósofo inglês David Hume (1711-1776), cuja obra Kant afirma tê-lo acordado do "sono dogmático", colocou sob suspeita o princípio de causalidade, que determina que, dado uma causa x, tem-se um efeito y. Por exemplo, tenho uma pedra em minha mão e a solto de certa altura (causa), tendo como consequência sua queda no chão (efeito).

Segundo Hume, não existe nada na causa (solto a pedra da mão) que contenha a relação objetiva de seu efeito (a queda no solo). Por mais vezes que eu repita a experiência, nada no mundo me dará a certeza de que a pedra cairá e não levitará, por exemplo. Portanto, conclui o filósofo inglês, a causalidade não está no mundo, mas é produto de nossos hábitos, ou seja, de tantas vezes ver a pedra cair ao ser solta, acreditamos que haja uma relação causal nos objetos, quando não passa de uma espécie de condicionamento psicológico.
A priori, a posteriori, juízo analítico e juízo sintético
Kant também vai se voltar para o sujeito em sua réplica ao ceticismo humeano, mas revestido de um caráter lógico e transcendental (e não psicológico, como em Hume). Antes de analisar a resposta de Kant, vamos ver como ele a formula a questão nos conceitos de a prioria posteriorianalítico e sintético.

Um conhecimento que seja totalmente independente dos sentidos é chamado a priori. São, por exemplo, equações matemáticas, que posso fazer mentalmente sem me apoiar em qualquer evidência material. Um conhecimento que possui sua fonte na experiência é dado a posteriori, como as leis da física clássica, que necessitam de testes práticos para serem comprovadas.

Quando emito um juízo em que o predicado está contido no sujeito, ele é chamadojuízo analítico. Por exemplo, quando digo "Azul é uma cor", o predicado "cor" já é uma qualidade do sujeito "azul" e a informação, por isso, é redundante. Mas quando faço um juízo em que um predicado é acrescentado ao sujeito, ele é chamadosintético. Por exemplo, na frase "A cadeira de minha sala é azul", acrescento ao sujeito "cadeira de minha sala" o predicado "azul" (afinal, ela poderia ser verde, vermelha, etc.). É uma informação nova, pois você poderia imaginar que a cadeira fosse de qualquer outra cor.

Todos os juízos da experiência são sintéticos, uma vez que, para obter um juízo analítico, não é preciso sair do próprio conceito, isto é, recorrer à experiência (não preciso sair de "azul" para saber que é uma cor, mas preciso ver a "cadeira" para saber de que cor ela é).

Agora podemos entender a questão central da Crítica da Razão Pura, que é "Como são possíveis os juízos sintéticos a priori?". Ou seja, como podemos ter um conhecimento a priori de questões de fato, de coisas do mundo? Em outros termos, como posso, observando um fato A, dizer algo a respeito de um fato B, uma vez que somente tenho a experiência deste fato A? Para voltar ao exemplo de Hume, como, tendo uma pedra em minha mão (fato A), antes mesmo de soltá-la sei que, ao soltá-la, ela irá cair no solo (fato B)? (Lembrando que, para Hume, não há na Natureza nada que demonstre a relação causal entre A e B.)

Formulado ainda de outra maneira: como posso, ao observar fatos particulares (uma pedra que cai), tirar daí uma regra de caráter universal (a lei da gravidade), que seja aplicada a todos outros fatos da mesma natureza?


Sujeito transcendental
Kant chamou de "revolução copernicana" sua resposta ao problema do conhecimento. O astrônomo Nicolau Copérnico (1473-1543) formulou a teoria heliocêntrica - a teoria de que os planetas giravam em torno do Sol - para substituir o modelo antigo, de Aristóteles e Ptolomeu, em que a Terra ocupava o centro do universo, o que era mais coerente com os dogmas da Igreja Católica.

Como pode ser constatado pela observação direta, o Sol se "levanta" e se "põe" todos os dias, o que tornava óbvio, aos antigos, que a Terra estava fixa e que os astros giravam em torno dela. Copérnico demonstrou que este movimento é ilusório, porque, na verdade, a Terra é que gira em torno do Sol.

Kant propôs inversão semelhante em filosofia. Até então, as teorias consistiam em adequar a razão humana aos objetos, que eram, por assim dizer, o "centro de gravidade" do conhecimento. Kant propôs o contrário: os objetos, a partir daí, teriam que se regular pelo sujeito, que seria o depositário das formas do conhecimento. As leis não estariam nas coisas do mundo, mas no próprio homem; seriam faculdades espontâneas de sua natureza transcendental. Como Kant afirma no prefácio da segunda edição da Crítica da Razão Pura:

"Até agora se supôs que todo nosso conhecimento tinha que se regular pelos objetos; porém todas as tentativas de mediante conceitos estabelecer algo a priori sobre os mesmos, através do que ampliaria o nosso conhecimento, fracassaram sob esta pressuposição. Por isso tente-se ver uma vez se não progredimos melhor nas tarefas da Metafísica admitindo que os objetos têm que se regular pelo nosso conhecimento, o que concorda melhor com a requerida possibilidade de um conhecimento a priori dos objetos que deve estabelecer algo sobre os mesmos antes de nos serem dados."

O que Kant quer dizer é que o sujeito possui as condições de possibilidade de conhecer qualquer coisa. Ele possui as regras pela quais os objetos podem ser reconhecidos. Não adianta buscar essas regras no mundo exterior, pois se cairia no problema de Hume. O mundo não tem sentido a não ser que o homem dê algum sentido a ele. O que conhecemos, então, é profundamente marcado pela maneira - humana - pela qual conhecemos.

O computador no qual escrevo, a janela do escritório que me permite ver todas as coisas do mundo, tudo isso é matéria de conhecimento não porque exista um Deus que me faculte entender as leis dos objetos por meio da razão (como no caso de filósofos racionalistas) ou porque estes objetos sejam imprimidos em minha mente pela percepção (empirismo), mas porque eles são capturados por formas lógicas no sujeito.
Coisa-em-si
Mas ao voltar o foco para o sujeito que conhece, que "constrói" o mundo, é bloqueado todo pretenso acesso à essência dos objetos do mundo. Só temos acesso às coisas enquanto fenômenos para uma consciência. O que a realidade é, em si mesma, o que Kant chama de coisa-em-si, não é matéria de conhecimento humano, sendo, portanto, incognoscível (aquilo que não pode ser conhecido).

A coisa-em-si não pode ser conhecida mas pode ser pensada, desde que seja contraditório (conhecer, em Kant, diz respeito ao que é possível de ser objeto da experiência).

Três objetos de estudo da metafísica podem ser pensados mas não conhecidos:Deus, a imortalidade da alma e a liberdade. Deus e a alma não podem ser conhecidos porque não aparecem como fenômenos no espaço e no tempo. A liberdade, porque contraria o princípio de causalidade: liberdade é aquilo que não tem causa, e o que é absolutamente livre não pode ser matéria de conhecimento. São, no entanto, postulados para a ética de Kant, da qual não trataremos neste artigo.
A filosofia crítica de Kant consiste, desta forma, em impor à razão os limites da experiência possível. O filósofo alemão pretende, com isso, fornecer rigor metodológico à metafísica, livrando-a de seu caráter dogmático e trazendo-a para o rumo seguro da ciência. Este método que analisa as possibilidades do conhecimento a priori do sujeito, dentro dos limites da experiência, é chamado de transcendental.

A síntese entre racionalismo e empirismo

O filósofo alemão Immanue Kant responde à questão de como é possível o conhecimento afirmando o papel constitutivo de mundo pelo sujeito transcendental, isto é, o sujeito que possui as condições de possibilidade da experiência. O que equivale a responder: "o conhecimento é possível porque o homem possui faculdades que o tornam possível". Com isso, o filósofo passa a investigar a razão e seus limites, ao invés de investigar como deve ser o mundo para que se possa conhecê-lo, como a filosofia havia feito até então.

Mas quais são exatamente, segundo Kant, estas faculdades ou formas a priori no homem que o permitem conhecer a realidade ou, em outros termos, o que são essas tais condições de possibilidade da experiência?

Em Kant, há duas principais fontes de conhecimento no sujeito:

 
  • sensibilidade, por meio da qual os objetos são dados na intuição.
  • entendimento, por meio do qual os objetos são pensados nos conceitos.

    Vejamos o que ele quer dizer com isso, começando pela intuição. Na primeira divisão da Crítica da Razão Pura, a "Doutrina Transcendental dos Elementos", a primeira parte é intitulada "Estética Transcendental" (estética, aqui, não diz respeito a uma teoria do gosto ou do belo, mas a uma teoria da sensibilidade). Nela, Kant define sensibilidade como o modo receptivo - passivo - pelo qual somos afetados pelos objetos, e intuição, a maneira direta de nos referirmos aos objetos.

    Funciona assim: tenho uma multiplicidade de sensações dos objetos do mundo, como cor, cheiro, calor, textura, etc. Estas sensações são o que podemos chamar de matéria do fenômeno, ou seja, o conteúdo da experiência. Mas para que todas estas impressões tenham algum sentido e entrem no campo do cognoscível(daquilo que se pode conhecer), elas precisam, em primeiro lugar, serem colocadas em formas a priori da intuição, que são o espaço e o tempo.

    Estas formas puras da intuição surgem antes de qualquer representação mental do objeto; antes que se possa pensar a palavra "cadeira", a cadeira deve ser apresentada, recebida, na forma a priori do espaço e do tempo. Este é o primeiro passo para que se possa conhecer algo.

    Assim, apreendemos daqui duas coisas: primeiro, o conhecimento só é possível se os objetos da experiência forem dados no espaço e no tempo; e, segundo, espaço e tempo são propriedades subjetivas, isto é, atributos do sujeito e não do mundo (da coisa-em-si).

    Espaço e tempo Espaço é a forma do sentido externo; e tempo, do sentido interno. Isto é, os objetos externos se apresentam em uma forma espacial; e os internos, em uma forma temporal.

    Como Kant prova isso? Pense em uma cadeira em um espaço qualquer, por exemplo, em uma sala de aula vazia. Agora, mentalmente, retire esta cadeira da sala de aula. O que sobra? O espaço vazio. Agora tente fazer contrário, retirar o espaço vazio e deixar só a cadeira. Não dá, a menos que sua cadeira fique flutuando em uma dimensão extraterrena.

    E o tempo? Ele é minha percepção interna. Só posso conceber a existência de um "eu" estando em relação a um passado e a um futuro. Só concebemos as coisas no tempo, em um antes, um agora e um depois. Voltemos ao exercício mental anterior: podemos eliminar a cadeira do tempo - ela foi destruída, não existe mais. Porém, não posso eliminar o tempo da cadeira - eu sempre a penso em uma duração, antes ou depois.

    A conclusão é de que é impossível conhecer os objetos externos sem ordená-los em uma forma espacial - e de que nossa percepção interna destes mesmos objetos fica impossível sem uma forma temporal.

    Além disso, espaço e tempo preexistem como faculdades do sujeito - e, portanto, são a priori e universais - quando eliminamos os objetos da experiência. Por isso, segundo Kant, espaço e tempo são atributos do sujeito e condições de possibilidade de qualquer experiência.

    As categorias Na segunda parte da "Doutrina Transcendental dos Elementos", a "Analítica Transcendental", Kant analisa os conceitos puros a priori do entendimento, pelos quais representamos o objeto.

    Vamos rever o esquema do conhecimento, antes de avançar. Temos objetos no mundo, que só podemos conhecer como fenômenos, isto é, na medida em que aparecem para o sujeito. Fora do sujeito, como coisa-em-si, estão fora do alcance da razão.

    Mas, para serem fenômenos, estas coisas precisam, antes de tudo, aparecer no espaço e tempo, que são faculdades do sujeito. Vejo uma árvore. Esta árvore eu vejo em suas cores e formas, que são as sensações deste objeto. Estas sensações são recebidas e organizadas pela intuição no espaço e no tempo. Esta é a primeira condição para o conhecimento.

    O segundo momento, depois de o sujeito receber o objeto na intuição, na sensibilidade, pela faculdade do entendimento ele reunirá estas intuições em conceitos, como, por exemplo, "Árvore" ou "A árvore é verde". Esta é a segunda condição para o conhecimento.

    Os conceitos básicos são chamados de categorias, que são representações que reúnem o múltiplo das intuições sensíveis. As categorias, em Kant, são 12:

    1. Quantidade: Unidade, Pluralidade e Totalidade.
    2. Qualidade: Realidade, Negação e Limitação.
    3. Relação: Substância, Causalidade e Comunidade.
    4. Modalidade: Possibilidade, Existência e Necessidade.

    São formas vazias, a serem preenchidas pelos fenômenos. Os fenômenos, por outro lado, só podem ser pensados dentro das categorias.

    Em Hume, a causalidade - relação de causa e efeito - era um hábito, uma ilusão. Já para Kant, Hume estava errado em procurar a causalidade na Natureza. Só podemos pensar as coisas em uma relação de causa e efeito porque a causalidade está no sujeito, não no mundo. Uma criança vê uma bola sendo arremessada (causa) e olha na direção de quem atirou a bola (efeito). Como a criança liga um fato com o outro? Porque ela possui, a priori, a categoria de causalidade, que a permite conhecer.

    Chegamos, portanto, a uma síntese que Kant faz entre racionalismo e empirismo. Sem o conteúdo da experiência, dados na intuição, os pensamentos são vazios de mundo (racionalismo); por outro lado, sem os conceitos, eles não têm nenhum sentido para nós (empirismo). Ou, nas palavras de Kant: "Sem sensibilidade nenhum objeto nos seria dado, e sem entendimento nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas."

    Considerações finais É um lugar-comum dizer que Kant é um divisor de águas na filosofia, mas é verdade. O sistema kantiano foi contestado pelos filósofos posteriores. No entanto, suas teorias estão na raiz das principais correntes da filosofia moderna, da fenomenologia e existencialismo à filosofia analítica e pragmatismo. Por esta razão, sua leitura é obrigatória para quem se interessa pela história do pensamento moderno.

    Sugestões de leitura A Crítica da Razão Pura foi traduzida para o português e publicada pela Editora Abril, na coleção "Os Pensadores", e pela editora portuguesa Calouste Gulbenkian. Ambas são recomendadas. É de grande ajuda, para o domínio do vocabulário kantiano, o Dicionário Kant (Jorge Zahar Editor), de Howard Caygill. Também da Jorge Zahar, o livro Kant & A Crítica da Razão Pura, de Vinicius Figueiredo, propõe introduzir o leitor nessa obra densa e de difícil leitura.