RACISMO À BRASILEIRA
"No Brasil das
décadas de 1930 e 1940, a “educação eugênica” foi aplicada às crianças,
em especial aos filhos da classe trabalhadora mais empobrecida, A eugenia e seu par inseparável, o autoritarismo, marcaram profundamente a educação no Brasil na primeira metade do século XX." (Sidney Aguilar Filho).
Nesta década, a educação eugênica foi aplicada às crianças, especialmente as negras.
O filósofo Habermas acreditava que a eugenia liberal, principalmente a eugenia positiva,
causa graves danos à nossa auto compreensão normativa moderna
- em outras palavras, a nossa moral convencional. A responsabilidade, imputabilidade e simetria
nas relações entre os membros da comunidade moral são afetadas. Segundo
o filósofo, a eugenia positiva cria uma relação assimétrica entre a
prole e seus progenitores. Quanto à responsabilidade, ele acredita que
os indivíduos resultantes de intervenções eugênicas positivas seriam
incapazes de compreender-se como autores indivisos de seu projeto
racional de vida. Essa intromissão na determinação no projeto racional
de vida de outra pessoa consistiria num tipo de violação da liberdade
ética ou a de escolher a maneira de buscar a própria felicidade,
garantida pelas constituições liberais e democráticas.
A antropometria e a frenologia, estudos
utilizados para classificar indivíduos e grupos humanos por meio das
dimensões do crânio, do lóbulo das orelhas ou do nariz. Utilizados pelos
nazistas, alguns traços eram considerados como indicadores da
degeneração biológica (fotos acima).
ESTIMULO À EUGENIA (Constituição BRASILEIRA de 1934 !)
Na Constituição brasileira de 1934, em seu artigo 138, está escrito que
“Incumbe à União, aos Estados e aos Municípios, nos termos das leis
respectivas: b) estimular a educação eugênica”. No Brasil das décadas de
1930 e 1940, a “educação eugênica” foi aplicada às crianças, em
especial aos filhos da classe trabalhadora mais empobrecida, sobretudo,
nos termos da época, entre “órfãos e abandonados, pretos ou pardos,
débeis ou atrasados”.
Nada menos que três dos ministros da Educação, durante a Era Vargas,
identificaram-se com esse ideal de base racista. Francisco Campos
(1891-1968), Belisário Penna (1868-1939) e Gustavo Capanema (1900-1985)
defenderam abertamente concepções eugênicas, assim como outros
intelectuais da Educação, na época, também defenderam argumentos
semelhantes. Lourenço Filho (1897-1970), por exemplo, concluiu com suas
pesquisas que haveria uma relação entre velocidade de aprendizagem e
“cor” – defendeu que as crianças pretas possuiriam um déficit natural em
relação às brancas na capacidade de aprendizagem, e isso deveria ser
levado em conta na composição das “salas seletivas” ou no “uso de
mecanismos corretivos” no processo de aprendizagem. Ou ainda, Afrânio
Peixoto, que, em sua obra Noções de História da Educação (1936),
defendeu a segregação de crianças e adolescentes “degenerados” como
forma de garantir a “saúde da Nação”.
O termo “eugenia” (“boa geração”) foi cunhado, em 1883, pelo antropólogo
inglês Francis Galton. Eugenia seria a ciência que lida com todas as
influências que supostamente melhoram as qualidades inatas de uma
pressuposta raça em favor da evolução da humanidade. Na afirmação de
Galton, os cérebros de uma “raça-pátria-nação” encontravam-se sobretudo
em suas elites, e aí se deveria concentrar a atenção e os esforços para o
aprimoramento. Seria estatisticamente “mais proveitoso” investir nas
elites e promover o “melhor estoque do que favorecer o pior”. Galton
procurou demonstrar que as características humanas (inclusive as
intelectuais, culturais e morais) decorriam da hereditariedade mais que
da própria história.
Ao longo das primeiras décadas do século XX, o pensamento eugenista
tornou-se cada vez mais geneticista. O evolucionismo social procurou
“mais na origem genética e menos nas alterações genéticas herdadas” as
explicações e justificativas para “eugenia e disgenia”. A “pureza” da
origem, ou a falta dela, ganhou status explicativo da “superioridade e
da inferioridade” humana e da nação.
No Brasil, as relações socioeconômicas sustentadas na lógica eugenista
foram profundamente marcadas pela história escravocrata. Durante o
século XIX, a ideologia da eugenia expandiu-se no mais tardio reduto
escravocrata do mundo. Para quem defendia o direito do proprietário
sobre uma propriedade humana, essa lógica chegou com a intenção de
legitimar a escravidão ou, diante do seu fim, fortalecer a ideia de que a
liberdade não seria acompanhada de igualdade. Os trabalhadores
imigrantes europeus, que, no século XIX, haviam sido considerados até a
“salvação da raça brasileira” pelos racistas de então, tornaram-se, na
visão dos racistas da República, que engatinhava no início do século XX,
cada vez mais estrangeiros sujeitos à xenofobia e a diversas formas de
preconceitos, difundidos no cotidiano de maneira crescente. O imigrante
pobre passou a ser associado à barbárie e sujeito às perseguições, em
graus diferentes de opressão. Os japoneses e os médio-orientais,
sobretudo muçulmanos ou judeus, foram unidos, por essa ideologia, aos
trabalhadores nacionais identificados com a escravidão (pretos e pardos,
na linguagem documental da época), tidos como mais degenerados e
perigosos.
As defesas do bem comum e da coisa pública foram os argumentos
sistematicamente utilizados por legisladores da Assembleia Constituinte
de 1933-1934, em especial na bancada liderada por Miguel Couto
(1865-1934), como justificativa para a desigualdade de direitos com base
na eugenia. Assim foram traçadas as políticas públicas na área da
Educação. Formar o cidadão como um trabalhador perfeito a ser engrenado
na máquina de produção, e educar o indivíduo para a vida da ação
tornaram-se ações centrais nas leis, discursos e práticas educativas,
principalmente as escolares.
Os eugenistas tentaram “naturalizar” o processo histórico das
sociedades nas quais se inseriam. No Brasil, criaram um plano teórico
gelatinoso, modernizante-conservador, o qual subsidiou e influenciou a
educação. Ideias que chegaram às leis e às políticas públicas. A
sociedade brasileira era vista por esses grupos como um organismo vivo,
único e coletivo, preso pela genética a determinações políticas,
culturais e sociais. O determinismo biológico primava sobre as
características históricas para fundamentar estratégias de controle e
manipulação social.
PLÍNIO SALGADO -- CHAMAVA o racista Oliveira Viana de: "O maior dos sociólogos"...
O destaque dessa corrente de pensamento no país foi Oliveira Viana
(1883-1951), reconhecido por defender a existência de uma única “raça”, a
“ariana”, e explicar todo o “restante” da humanidade pela
“degenerescência”. A concepção racista da “origem poligênica da
humanidade” fora rejeitada por religiosos em virtude de contrapor-se ao
criacionismo monoteísta. Oliveira Viana foi membro da Subcomissão do
Itamaraty e, dentro dela, da comissão responsável pelos assuntos
“Religião e Família, Cultura e Ensino Nacional, Saúde Pública e
Colonização”, na qual nasceu o artigo 138 da Constituição de 1934. Ele
enxergava a história dos povos a partir de determinantes biológicos.
Para ele, referir-se ao corpo da nação como um ser orgânico não era uma
metáfora política roubada da biologia nem um corporativismo simplista, e
sim uma realidade inexorável em sua visão determinista
“histórico-biológica”. Viana, que clamava por uma “engenharia racial”,
era chamado por Plínio Salgado (1895-1975) – o líder da Ação
Integralista Brasileira – de “o maior dos sociólogos”.
A segregação e a desigualdade de direitos entre cidadãos foram legalizadas, teorizadas e praticadas no Brasil !
Ao justificar a intromissão e a intervenção do Estado tanto na vida
pública quanto na vida privada dos indivíduos, o pensamento eugenista
revelava seu caráter autoritário. Intervenção no amor, no trabalho, na
política, no conjunto das relações sociais, sem permitir qualquer
liberdade de participação nas decisões, pois as justificativas estavam
na pretensa verdade absoluta da ciência. As instituições autoritárias e
as práticas de segregação se reforçaram mutuamente na área de Educação,
pela prática da exclusão, da desigualdade de direitos de cidadania de
crianças e adolescentes, pela condição econômica ou por sua “origem”.
BRASIL DE VARGAS (1930 -1945) --- segregação racial como política estatal.
Um olhar sobre o Brasil de Vargas (1930-1945) revela a segregação
racial como política estatal, implodindo a teoria da “democracia racial”
brasileira. Antes, ao contrário, confirmam o autoritarismo extremado do
Estado brasileiro e de seus detentores contra setores específicos da
sociedade. Os estudos mais recentes sobre a temática mostram, superando
os desconfortos, que a segregação e a desigualdade de direitos entre
cidadãos foram legalizadas, teorizadas e praticadas no país.
Ultrapassadas as teorias racistas, depois do holocausto produzido pelo
nazismo, a lógica que divide a humanidade em raças hierarquizadas entre
si felizmente conheceu seu declínio. Após a Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), a temática da eugenia e de suas práticas no Brasil foi
transformada em tabu, e o mito da “nação sem preconceitos” se
consolidou. A igualdade entre todos, mais do que realmente construída
historicamente, foi presumida e auxiliada pelo esquecimento de um
passado constrangedor. Na última década, no entanto, ressurgiram os
debates a respeito do determinismo genético nos processos educativos e a
crescente medicalização da educação escolar. Por isso, precisamos estar
atentos a fim de evitarmos os “cochilos” da História.
A SOCIEDADE IDEAL RETRATADA NA "República de Platão"
No âmbito da Filosofia, propriamente dito, a sociedade ideal retratada na República
de Platão, uma sociedade de castas genéticas, é um exemplo de
organização social fundada na constituição natural dos indivíduos. Para
Platão, a sociedade deveria ser dividida em três classes: guardiões,
produtores e governantes filósofos. A base da classificação das pessoas
em cada classe é relativa à maneira como estão ordenados os três
elementos na alma, a saber, apetite, espírito e razão. Platão traça uma
correspondência entre os elementos psíquicos do indivíduo e a classe
social à qual ele pertence. Da perspectiva platônica, justo é que cada
classe social restrinja- se a realizar as atividades para qual a
natureza melhor dotou. Esse tipo de sociedade é inaceitável às
sociedades democráticas contemporâneas, como é o caso da sociedade
brasileira.
Francis Galton, primo de Charles Darwin,
criou o termo eugenics para referir-se a um estudo, que investigava as
ações sobre controle social, um programa, que consistia na doutrina do
progresso ou evolução, e a uma religião, em que a eugenia seria um tipo
de humanismo evolutivo.
Habermas recorre à distinção entre eugenia
negativa e positiva para discriminar os casos permitidos dos não
permitidos. É importante ressaltar que o uso de Habermas dos termos
eugenia negativa e positiva é significativamente distinto do que foi
feito pelos eugenistas no final do século XIX e início do século XX
(1870-1950), nos EUA, Europa e, inclusive, no Brasil. O termo eugenics
foi cunhado pelo primo de Charles Darwin (em 1883), Francis Galton, para
referir-se a um estudo, um programa e uma religião. Enquanto um estudo,
a eugenia investigava as ações sobre controle social que podem
aperfeiçoar ou prejudicar as qualidades raciais das gerações futuras,
seja fisicamente ou mental mente. Enquanto um programa, consistia na
doutrina do progresso ou evolução, particularmente da raça humana,
mediante o melhoramento das condições nas relações dos sexos, que
implicava na determinação dos aptos e dos inaptos a reproduziremse. A
substituição da seleção natural pela seleção artificial, consciente e
premeditada dos aptos a reproduzirem- se na esperança de acelerar a
evolução dos traços desejáveis e a eliminação dos indesejáveis. Enquanto
uma religião, a eugenia seria um tipo de humanismo evolutivo. O ápice
do projeto eugenista do passado foi, como é bem conhecido, catastrófico,
pois foi vinculado com os ideais racistas nazistas e culminou em
Auschwitz. Entretanto, a questão normativa da eugenia liberal não é, ao
menos para Habermas, do mesmo calibre, pois, em vez de consistir numa
limitação dessa mesma liberdade, é uma extrapolação que afeta a
liberdade ética do ser humano geneticamente manipulado.
FONTES DA PESQUISA:
1- Sidney Aguilar Filho é autor da tese “Educação, autoritarismo e eugenia:
exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil”
(Unicamp, 2012).
Saiba mais
2-BAIA HORTA, Joaquim Silvério. O hino, o sermão e a ordem do dia. Rio de Janeiro: Ed. UFRJ, 1994.
3-BITTENCOURT, Circe. Pátria, civilização e trabalho. São Paulo: Loyola, 1990.
4-D’ÁVILA, Jerry. Diploma de brancura. São Paulo: Ed. Unesp, 2005.