sábado, 3 de março de 2012

A UNIVERSIDADE PARA O PENSAMENTO AUTÊNTICO




A Universidade é um dos lugares onde a busca sistemática pelo conhecimento mais acontece. Da corrida pré-vestibular ao doutorado: tudo expressa essa busca, que não se encerra, contudo, nessa "fronteira". É objetivo de todos os cursos de graduação, sem dúvida, formar da maneira mais adequada possível seus estudantes. Para tanto, cursos de ensino e de extensão são constantemente ofertados para complemento da grade curricular.

A lógica saudável é que quanto mais conhecimento, mais autenticidade, autonomia. Avaliações, como o ENADE, são feitas para se verificar o desempenho estudantil e, assim, buscar progredi-lo. Diante disso, o ambiente universitário (e não apenas ele, obviamente) deve ser espaço cativo para que o pensamento autêntico, crítico, se efetive. O contrário, todavia, não pode acontecer, ou seja, da universidade não deve vir a barbárie, a destruição da natureza e da comunidade humana.

Pesquisas saudáveis, preocupadas com a vida e com os problemas da existência devem ser constantes em seu meio. Essa preocupação faz com que abordagens mesquinhas sejam rejeitadas, e pesquisas sérias incentivadas. As pessoas mais preocupadas com o egoísmo da política e da economia, porém, são as que mais vêem questões acerca da existência como "uma brincadeira de filosofia, uma pseudofilosofia" (NIETZSCHE, 2003, p. 165). O progresso econômico, é válido lembrar, não garante por tabela o progresso educacional: um deve estar atrelado ao outro. Contra essas pessoas, por sua vez, é que Nietzsche cunhou suas críticas, e por causa dessas é que enxergava o ambiente universitário como perigoso e mesmo impossível para o pensamento autêntico se efetivar. No entanto, as críticas de Nietzsche são permeadas pelo seu meio, por mais que vários elementos também possam ser encontrados na realidade brasileira.

A erudição não deve se converter, assim, em "razão instrumental", termo desenvolvido por Max Horkheimer para se referir a uma razão manipuladora, egoísta. Antes, deve estar a favor da autonomia, da "libertação": deve favorecer a Educação, a Saúde da comunidade humana. Se a Universidade não se posiciona contra o egoísmo, ela mesma pode se tornar uma servidora deste e, com essa submissão, é possível afirmar de forma derradeira junto a Arthur Schopenhauer: "Ai do tempo em que o atrevimento e o disparate repeliram a inteligência e o entendimento" (SCHOPENHAUER, 2001, p. 56

O ERUDITISMO CONTRA NOSSOS AUTORES



No Brasil cada vez mais se cria e se estimula a figura do erudito, que também permite ser representada pela do pesquisador. No entanto, ainda é muito pouco o estudo sobre nossos próprios pensadores, como Mathias Aires, Tobias Barreto e Sílvio Romero, por exemplo. E aqui, cabe ressaltar que não se trata de uma apologia etnocêntrica, mas pelo contrário, justamente valorizar os nossos tipos geniais. Portando, a Universidade não deve tolher o pensamento, mas dar espaço àqueles que se destacam. Se isso não ocorre, todavia, é possível dizer que os "intelectuais" emanados pelo Estado são os que mais se opõe "à produção e à perpetuação dos que são grandes filósofos por natureza" (NIETZSCHE, 2003, p. 208). A Universidade, é digno de nota, é constituída pelo tripé: ensino, pesquisa e extensão. Se o ensino vai mal, a formação vai mal; se a pesquisa é capenga, o ensino torna-se frágil; se a extensão é ínfima, a comunidade é prejudicada. Assim, há uma relação entre esses três elementos que não deve ser quebrada, pois quando isso ocorre, a conseqüência pode ser uma dramática acomodação, algo que vai contra uma formação genuína.

NIETZSCHE E A EDUCAÇÃO


Uma boa metáfora para o erudito é compará-lo ao verniz, pois este autonomiza o objeto em relação ao sujeito, algo que torna o conhecimento petrificado, numa prática contínua de deixar o passado, ou o conhecimento de outros povos, sempre válido para o presente; ou seja, a prática erudita tende a uma covardia e a uma preguiça que podem imobilizar o presente em nome de um passado incessantemente revisitado. O eruditismo, não respondendo adequadamente às questões da vida, cujo conhecimento é sempre contingente, torna-se o senhor do excesso e do supérfluo, pois a decompõe em prol de seus vários interesses unilaterais (especializados), preconizando o desprezo pela grandeza da existência, que exige uma visão orgânica e não uma restrição por parte do erudito. Segundo Nietzsche, o erudito "decompõe uma imagem em simples manchas, do mesmo modo como, na ópera, se usa um binóculo para ver a cena e examinar um rosto ou um detalhe da vestimenta, nada inteiro"




Como metáfora ao ensino restritivo, esse tipo de eruditismo acaba por sufocar a semente do impulso crítico, sentido oposto da verdadeira Educação, e contribui para o conformismo político

"SEGUNDO O PENSADOR NIETZSCHE,O CONHECIMENTO ACADÊMICO E ERUDITO "PURO" ABORTA O IMPULSO CRÍTICO E NÃO É SUFICIENTE PARA A VIDA EM SOCIEDADE."

Percebe-se uma clara crítica do alemão Friedrich Nietzsche, em alguns momentos , a disciplina Filosofia quando esta parece ter sido alçada em um pedestal, inalcançável até mesmo aos próprios e dedicados estudiosos.
Os problemas revelados pelo filósofo na Educação da Alemanha Oitocentista, em que talentos eram sufocados ou aqueles que já tinham prestígio escreviam de forma ininteligível para esconder a falta de ideias.
Diante disso, o conhecimento torna-se estanque, apenas teórico, inacessível à existência, um saber desvinculado da vida. Essa é a crítica de Nietzsche, fortemente influenciado por outro alemão, Arthur Schopenhauer. É um tipo de herança que ainda podemos encontrar nas Universidades e que pode frear o impulso crítico, contrário ao que uma Educação deveria promover.
O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), enquanto professor de Filologia Clássica da Universidade de Basileia (1869-1879), manifestava em suas atividades intelectuais um importante compromisso pedagógico de contribuir para o desenvolvimento saudável da Cultura alemã que, segundo sua perspectiva, se encontrava em uma marcha de decadência valorativa. Tal declínio ocorria, grandemente, devido à "cultura erudita", tendência intelectual caracterizada por valorizar apenas a razão em detrimento do instinto. Esse problema se inscreverá em algo muito caro a Nietzsche: a oposição entre Arte (vida, instinto) e razão. Quando a vida - que é um poder "obscuro, insaciavelmente sedento de si mesmo" - é subjugada, e quando a racionalidade é posta no pedestal, é porque a barbárie está à porta.
Diante disso, é possível perceber que quando Nietzsche desenvolve suas críticas ao problema do eruditismo, por conseguinte, a própria Cultura moderna e de que forma esta constrói seu ideal de ser humano: tal problema torna-se uma "lente de contato" para que o filósofo analise a espinhosa e "tão urgente" temática da formação do humano. Viver adequadamente o presente, criar valores, utilizar-se do conhecimento em prol da vida: nesses aspectos se sintetiza o combate de Nietzsche contra a razão a todo custo incentivada pela modernidade
Em sua III Consideração Intempestiva - Schopenhauer como educador, Nietzsche compreende treze características que norteiam a tipologia do erudito, sendo possível sintetizá-las desta maneira: "(...) o erudito consiste numa rede misturada de impulsos e excitações muito variadas, é um material impuro por excelência"1.

Não se deve pressupor, obviamente, que o conhecimento seja algo prejudicial para a vida e que a erudição seja sinônimo de prejuízo (e filisteísmo) para o ser humano.
O que está em questão é o excesso, que pode tornar o conhecimento uma desvantagem para a existência. É necessário esclarecer que o homem erudito não é necessariamente um filisteu, pois este prospera financeiramente mediante a especulação da Cultura enquanto que o erudito, em essência, cria um tipo de saber que fica preso a uma falta de experiência com a imanência da vida.
É neste contexto que as críticas de Arthur Schopenhauer (1788-1860) a Hegel (1770-1831) - e sua respectiva in¬fluência sobre o desenvolvimento da Filosofia, a acadêmica alemã do Oitocentismo - ecoaram de modo excepcional em Nietzsche.
É necessário destacar que Schopenhauer considera que, mediante a influência de Hegel, a Filosofia universitária (acadêmica) torna-se a Filosofia por excelência, enquanto que a Filosofia que não se enquadrasse nesse modelo, tornava- -se intelectualmente e valorativamente excluída.

Percebe-se uma clara crítica do alemão Friedrich Nietzsche, em alguns momentos , a disciplina Filosofia quando esta parece ter sido alçada em um pedestal, inalcançável até mesmo aos próprios e dedicados estudiosos.
Os problemas revelados pelo filósofo na Educação da Alemanha Oitocentista, em que talentos eram sufocados ou aqueles que já tinham prestígio escreviam de forma ininteligível para esconder a falta de ideias.
Diante disso, o conhecimento torna-se estanque, apenas teórico, inacessível à existência, um saber desvinculado da vida. Essa é a crítica de Nietzsche, fortemente influenciado por outro alemão, Arthur Schopenhauer. É um tipo de herança que ainda podemos encontrar nas Universidades e que pode frear o impulso crítico, contrário ao que uma Educação deveria promover.
O filósofo Friedrich Nietzsche (1844-1900), enquanto professor de Filologia Clássica da Universidade de Basileia (1869-1879), manifestava em suas atividades intelectuais um importante compromisso pedagógico de contribuir para o desenvolvimento saudável da Cultura alemã que, segundo sua perspectiva, se encontrava em uma marcha de decadência valorativa. Tal declínio ocorria, grandemente, devido à "cultura erudita", tendência intelectual caracterizada por valorizar apenas a razão em detrimento do instinto. Esse problema se inscreverá em algo muito caro a Nietzsche: a oposição entre Arte (vida, instinto) e razão. Quando a vida - que é um poder "obscuro, insaciavelmente sedento de si mesmo" - é subjugada, e quando a racionalidade é posta no pedestal, é porque a barbárie está à porta.


Diante disso, é possível perceber que quando Nietzsche desenvolve suas críticas ao problema do eruditismo, por conseguinte, a própria Cultura moderna e de que forma esta constrói seu ideal de ser humano: tal problema torna-se uma "lente de contato" para que o filósofo analise a espinhosa e "tão urgente" temática da formação do humano. Viver adequadamente o presente, criar valores, utilizar-se do conhecimento em prol da vida: nesses aspectos se sintetiza o combate de Nietzsche contra a razão a todo custo incentivada pela modernidade.
Em sua III Consideração Intempestiva - Schopenhauer como educador Nietzsche compreende treze características que norteiam a tipologia do erudito, sendo possível sintetizá-las desta maneira: "(...) o erudito consiste numa rede misturada de impulsos e excitações muito variadas, é um material impuro por excelência"1.

Uma boa metáfora para o erudito é compará-lo ao verniz, pois este autonomiza o objeto em relação ao sujeito, algo que torna o conhecimento petrificado, numa prática contínua de deixar o passado, ou o conhecimento de outros povos, sempre válido para o presente; ou seja, a prática erudita tende a uma covardia e a uma preguiça que podem imobilizar o presente em nome de um passado incessantemente revisitado. O eruditismo, não respondendo adequadamente às questões da vida, cujo conhecimento é sempre contingente, torna-se o senhor do excesso e do supérfluo, pois a decompõe em prol de seus vários interesses unilaterais (especializados), preconizando o desprezo pela grandeza da existência, que exige uma visão orgânica e não uma restrição por parte do erudito. Segundo Nietzsche, o erudito "decompõe uma imagem em simples manchas, do mesmo modo como, na ópera, se usa um binóculo para ver a cena e examinar um rosto ou um detalhe da vestimenta, nada inteiro"


O problema do conhecimento (in)útil
Nietzsche critica o eruditismo exagerado que, segundo o filósofo, pode ser uma desvantagem para a existência, pois é um saber desvinculado da vida

Não se deve pressupor, obviamente, que o conhecimento seja algo prejudicial para a vida e que a erudição seja sinônimo de prejuízo (e filisteísmo) para o ser humano.
O que está em questão é o excesso, que pode tornar o conhecimento uma desvantagem para a existência. É necessário esclarecer que o homem erudito não é necessariamente um filisteu, pois este prospera financeiramente mediante a especulação da Cultura enquanto que o erudito, em essência, cria um tipo de saber que fica preso a uma falta de experiência com a imanência da vida.
É neste contexto que as críticas de Arthur Schopenhauer (1788-1860) a Hegel (1770-1831) - e sua respectiva in¬fluência sobre o desenvolvimento da Filosofia, a acadêmica alemã do Oitocentismo - ecoaram de modo excepcional em Nietzsche.
É necessário destacar que Schopenhauer considera que, mediante a influência de Hegel, a Filosofia universitária (acadêmica) torna-se a Filosofia por excelência, enquanto que a Filosofia que não se enquadrasse nesse modelo, tornava- -se intelectualmente e valorativamente excluída.
Para Schopenhauer, quando Hegel, Fichte e Schelling (expoentes do Idealismo alemão) conseguiram grande inserção nos meios culturais alemães, estruturaram um estilo de escrita truncado, pautado na obscuridade, e isso porque "para ocultar a falta de pensamentos verdadeiros, muitos constroem um imponente aparato de longas palavras compostas, intricadas ¬ ores de retórica, períodos a perder de vista, expressões novas que, no conjunto, resultam num jargão que soa o mais erudito possível".
Schopenhauer critica a noção de que quanto maior a dificuldade de se interpretar o sentido fundamental de um texto, maior seria a "aura" de genialidade de seu autor, pois, em razão disso, o leitor, no seu íntimo, poderia vir a acreditar que, caso não fosse capaz de compreender as teses desenvolvidas nestas obras estilisticamente obscuras, ele próprio deveria se auto responsabilizar por essa deficiência intelectual, sob a pena de ser marginalizado.

Nessa esteira acontece uma surpreendente inversão de valores: o filósofo que não faz parte do ambiente universitário e da sua burocracia (trâmites institucionais) torna-se apenas um "livre-pensador", desvinculado da "autêntica Filosofia". Contudo, a atividade elementar do filósofo acadêmico, segundo Schopenhauer, seria a de legitimar, por meio de sua produção intelectual, a estrutura sociopolítica vigente, submetendo a atitude filosófica aos interesses obtusos do Estado.
Nietzsche compartilha esta ideia, ao afirmar que: "O Estado jamais se importa com a verdade, salvo com aquela que lhe é útil - mais exatamente, ele se ocupa em geral com tudo o que lhe é útil, seja isso verdade, meia-verdade ou erro".
Schopenhauer, por sua vez, faz valer a tese de que a sabedoria é essencialmente atemporal e apolítica, ainda que trate de questões políticas e do tempo presente que estão fundamentalmente relacionadas ao desenvolvimento humano.
A crítica de Schopenhauer ao projeto civilizatório e moralista do Estado, à Filosofia universitária e ao projeto de ensino universitário de Filosofia - que se baseava, sobretudo, na interpretação historiográfica dos conceitos do filósofo analisado, enquanto que sua proposta seria a de um ensino com caráter propedêutico, que tomasse sistemas de Filosofia a partir de uma seleção de textos reunidos em vista do que já se pensou originalmente, e na qual o próprio estudante deveria esforçar-se para compreender o sistema de pensamento desse filósofo, trilhando seu próprio caminho -, demonstra o caráter extemporâneo do filósofo. Na direção deste, Nietzsche diz que a Filosofia excluída da universidade que, com isso, readquire autonomia, poderia se estruturar em um tribunal superior da Cultura, que faz tanta falta a uma sociedade: "(...) é uma necessidade de a Cultura privar a Filosofia de qualquer reconhecimento do Estado e da Universidade”.
DEFESA DO AUTÊNTICO
Nietzsche, em sua defesa do autêntico ideal Filosófico, demonstra a sua filiação ao projeto intelectual de Schopenhauer, considerando-o seu "educador", pelo fato de ter se colocado contra os valores de sua época, não admitindo que os objetivos essenciais da Cultura fossem determinados por valores contrários a ela, sejam os interesses utilitários do mercado ou os do Estado e a de "confundir" a formação do filósofo com a do "homem da Ciência" e a do "operário da Filosofia". Nessas condições, a imagem de Schopenhauer se estrutura como modelo de educador que luta contra as limitações que sua época colocava ao genuíno ideal filosófico, à "verdadeira" Filosofia. “Enquanto continue a existir este pseudo-pensamento reconhecido pelo Estado, a ação grandiosa de uma verdadeira Filosofia será malograda”...
Há uma necessidade de a Cultura privar a Filosofia de qualquer reconhecimento do Estado e da Universidade e dispensar absolutamente o Estado e a Universidade da tarefa insolúvel para ambos de distinguir entre a verdadeira Filosofia e a Filosofia aparente"

Para Nietzsche, Schopenhauer seria o modelo de educador, já que a função deste é instituir novamente o valor da existência e "elevar alguém acima da insuficiência da atualidade e de ensinar novamente a ser simples e honesto no pensamento e na vida". Com Schopenhauer, Nietzsche pôde compreender-se melhor em relação a si mesmo e é esse o sentido de sua gratidão. O gênio, de acordo com Nietzsche, utilizaria o conhecimento advindo da sua formação para cultivar os valores da vida, subjugando, por consequência, os saberes desvinculados desta.
HOMEM TEÓRICO
A relação entre saber desvinculado da vida, por sua vez, é semelhante ao que aconteceu a Nietzsche quando, durante seus três primeiros anos no internato de Pforta, estudou sem descanso, chegando depois à reflexão: "o que havia lucrado com ela?", e à sua crítica ao sistema educacional que se deparou enquanto professor, que visava promover o "homem teórico", que separava a vida do pensamento: "Nietzsche sonha com um ideal de Educação que o estudo dos gregos pré-platônicos lhe revelara, uma Educação ancorada nas experiências da vida de cada indivíduo". Dessa maneira, Nietzsche não despreza o indivíduo que valoriza o conhecimento, mas critica de forma intempestiva o ideário de educador da Alemanha do século XIX, cujo protótipo era de um sujeito (erudito) que conhecia demais o passado e, em decorrência negativa disso, acabava por não viver adequadamente o presente, não criando novos valores.
Com efeito, a Educação formal, ministrada nas instituições de ensino da Alemanha Oitocentista, muitas vezes motivava o aniquilamento simbólico dos tipos geniais, pois a estrutura pedagógica dessas instituições de ensino não se encontrava preparada para receber adequadamente as exceções - as figuras singulares -, estabelecendo um parâmetro de Educação padronizado, massificado, envelhecido. Nietzsche esclarece essa característica sobre a singularidade ao fazer analogia às espécies do reino animal e vegetal, onde apenas o "exemplar individual superior" lhes importa e não aquele que se encontra nivelado em erros ou em preconceitos enraizados pela Educação: "A humanidade deve constantemente trabalhar para engendrar grandes homens - eis aí a sua tarefa, e nenhuma outra. Como gostaríamos de aplicar à sociedade e a seus fins um ensinamento que pudesse ser extraído da consideração de todas as espécies do reino animal e vegetal - para elas, somente o exemplar superior, o mais incomum, o mais poderoso, o mais complexo, o mais fecundo -, que prazer não haveria aí se os preconceitos enraizados pela Educação quanto à finalidade da sociedade não oferecessem uma pertinaz resistência!"
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NIETZSCHE NÃO DESPREZA QUEM VALORIZA O CONHECIMENTO, MAS CRITICA O ERUDITO, QUE CONHECIA DEMAIS O PASSADO E ACABAVA POR NÃO VIVER O PRESENTE
O "abortamento do impulso crítico" - que visa suprimir a singularidade do indivíduo - constitui, para Nietzsche, justamente o oposto do sentido da verdadeira Educação: a frágil semente, que servia de metáfora para o processo formativo, acaba sendo sufocada por entulhos desprovidos de organicidade e esse é justamente o melhor caminho para o conformismo político. "E agora, que se imagine uma mente juvenil, sem muita experiência de vida, em que são encerrados confusamente cinquenta sistemas - que desordem, que barbárie, que escárnio quando se trata da Educação para a Filosofia!. De fato, todos concordam em dizer que não se é preparado para a Filosofia, mas somente para uma prova de Filosofia, cujo resultado, já se sabe, é normalmente que aquele que sai desta prova - eis que é mesmo uma provação - confessa para si com um profundo suspiro de alívio: Graças a Deus, não sou um filósofo, mas um cristão e um cidadão do meu país!"
É necessário, por fim, destacar que "formar" não é "informar" e entre os dois conceitos há uma grande diferença de valores. O ato de "informar" não é "formar" intelectualmente (culturalmente) um indivíduo. O ato de "formar" está relacionado à transmissão de conteúdos pedagógicos que proporcionam o desenvolvimento intelectual do indivíduo, possibilitando- -lhe adquirir uma consciência crítica em relação ao contexto social no qual ele está inserido, favorecendo assim a sua inserção na vida prática de transformação e esforço por mudanças na realidade circundante. "Informar", no âmbito da ação pedagógica, consiste no ato de se transmitir conteúdos didáticos, sem que neles necessariamente exista uma efetiva relevância orgânica para o estudante, que recebe continuamente uma grande quantidade de conteúdos que se tornam meros meios para a realização de fins (a aprovação no vestibular, por exemplo). A "informação" desprovida de reflexão motiva a passividade do estudante, que cria uma espécie de dependência simbólica em face do sistema pedagógico que lhe transmite tais informações. Para Nietzsche, a Educação deve engendrar a vida, pois, do contrário, torna-se mera mantenedora do status quo, cujo resultado é a acriticidade.
FONTE: REVISTA FILOSOFIA – 67

GUERRA E PAZ (ISRAEL x ....)


Como o par de raposas na história bíblica de Sansão, amarradas por suas caudas e com uma tocha em fogo entre elas, assim Israel e os palestinos – apesar das diferentes forças – arrastam-se um ao outro. Mesmo quando nos esforçamos muito para nos libertar, queimamos aqueles que estão amarrados a nós – parceiros de infortúnio – e também nos queimamos.

E assim, em meio à onda de ufanismos nacionalistas que está varrendo o país, não faria mal recordar que no final das contas, esta última operação em Gaza foi só mais uma parada numa rota pontilhada de fogo, violência e ódio.

Por mais satisfeitos que os israelenses possam estar por terem sido corrigidas fraquezas técnicas que nos surpreenderam na Segunda Guerra do Líbano, precisamos prestar atenção em uma outra voz que diz: os sucessos do Exército de Israel no confronto com o Hamas não provam ter sido correto embarcar numa campanha tão massiva. E certamente não existe justificativa para a forma com que Israel operou no decorrer da luta. Essas ações militares apenas confirmam que Israel é mais forte do que o Hamas e que, sob certas condições, pode ser também impiedoso e cruel.

Quando as armas silenciarem totalmente, e a imagem completa da matança e destruição for conhecida, na medida em que forem vencidos até os mais sofisticados mecanismos de defesa psicológica dos israelenses, talvez algum tipo de lição se fixe nos nossos cérebros. Talvez então possamos finalmente entender o quão profunda e fundamentalmente as nossas ações nesta região têm sido mal-orientadas, antiéticas, imbecis e, acima de tudo, responsáveis – repetidamente – por alimentar as chamas que nos consomem.

Obviamente, os palestinos não podem ser absolvidos por seus crimes e erros. Isto seria equivalente a diminuí-los e ser condescendentes, como se não fossem adultos maduros com suas próprias mentes, responsáveis por suas próprias decisões e equívocos. Os habitantes da Faixa de Gaza podem ter sido, de várias maneiras, "estrangulados" por Israel, mas certamente teriam outras opções para protestar ou para chamar atenção para sua miséria, diferentes de lançar milhares de foguetes contra civis inocentes em Israel.

Não podemos esquecer disso. Não podemos perdoá-los e aceitar naturalmente que sempre que eles se sintam mais fortes, a violência seja sua única resposta, a que adotem quase automaticamente.

Mas, mesmo quando os palestinos agem com violência indiscriminada, quando usam terroristas suicidas e foguetes Qassam, Israel continua mais forte do que eles, e podemos ter um impacto tremendo sobre o nível de violência do conflito como um todo – e portanto em acalmá-lo e até levá-lo a um fim. O atual confronto não mostrou ninguém no governo israelense que mostrasse, de maneira consciente e responsável, sensibilidade ao significado crítico desse aspecto do conflito.


Não existe solução militar!

Um dia, afinal, iremos curar as feridas que infligimos hoje. Mas, como este dia chegará, se não entendermos que o nosso poder militar não pode ser o principal instrumento para abrir para nós um caminho nesta região?

Como irá este dia chegar se não conseguimos entender como é grave a responsabilidade que repousa sobre os nossos ombros, pelas profundas marcas em nossas inevitáveis relações, passadas e futuras, com os palestinos na Cisjordânia, Faixa de Gaza e na Galiléia?

Quando se dissiparem as nuvens de fumaça colorida dos discursos dos políticos sobre uma vitória estrondosa e decisiva; quando descobrirmos o que realmente conquistamos com esta operação e o quão longe isto está do que precisamos para ter aqui uma vida normal...

Quando finalmente admitirmos que um país inteiro ansiosamente se deixou hipnotizar, porque tanto precisava acreditar que Gaza iria curar sua psicose do Líbano [1] ...

Talvez então acertemos as contas com aqueles que, de quando em quando, incitam a população de Israel, embalando-a num frenesi de arrogância e na euforia da força.

Com aqueles que nos ensinaram ao longo dos anos a desdenhar da fé na paz e em qualquer esperança por mudança nas nossas relações com os árabes. Aqueles que nos convenceram de que os árabes só entendem a força e que esta é a única língua que podemos usar com eles.

E por termos falado com os palestinos por tanto tempo nesta língua – e só nesta língua – esquecemos que existem outras línguas para se falar com seres humanos, mesmo com inimigos, mesmo com adversários amargos como o Hamas – línguas que são tão nossas quanto a dos tanques e aviões.

Nós precisamos falar com os palestinos. Esta é a conclusão mais importante de mais uma rodada de carnificina. Precisamos falar, também, com aqueles que não reconhecem o nosso direito de existir aqui.

Em vez de ignorar o Hamas, agiríamos melhor agora aproveitando imediatamente a nova realidade que foi criada. Iniciando um diálogo com eles, que nos permita chegar a um acordo com todo o povo palestino.

Precisamos falar com eles e começar a reconhecer que a realidade não é a história hermética que nós – assim como os palestinos – temos nos contado por gerações. A realidade não é apenas a história em que estamos trancados, composta em boa medida de fantasias, sonhos impossíveis e pesadelos.

Precisamos falar com eles e criar, dentro desta realidade trancada e surda, a própria possibilidade de se falar. Nós precisamos criar esta alternativa, hoje tão ridicularizada e amaldiçoada, que dentro da tempestade da guerra quase não teve lugar, esperança ou seguidores.

Nós precisamos falar com eles, como parte de uma estratégia objetiva. Precisamos promover a conversa, insistir na conversa e não deixar que ninguém nos silencie. Precisamos falar. Mesmo que o diálogo se mostre inútil no início, nossa teimosia contribuirá muito mais para a nossa segurança do que centenas de aviões despejando bombas numa cidade e em seus habitantes.

Precisamos falar, a partir da visão terrível desta devastação, ao perceber que o mal de que somos capazes de infligir uns aos outros, cada um do seu jeito, é tão gigantesco, destrutivo e sem sentido, que se a ele nos rendermos e aceitarmos sua lógica, ele nos acabará destruindo a todos.

Precisamos falar, porque o que aconteceu na Faixa de Gaza nas últimas semanas é um espelho no qual nós, em Israel, vemos o reflexo do nosso próprio rosto – um rosto que, se estivéssemos olhando de fora ou o víssemos em outra gente – nos deixaria horrorizado.

Porque essa nossa “vitória” não é real, e a guerra em Gaza não cicatrizou o ponto que tanto precisa ser curado. Apenas expôs mais profundamente os equívocos trágicos e intermináveis que já fizemos ao percorrer o nosso caminho.

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* Este texto foi publicado pelo jornal israelense Haaretz e traduzido por MOISÉS STORCH para a Revista Espaço Acadêmico. Leia outros artigos de DAVID GROSSMAN, que marcaram a evolução do campo da paz em Israel na última década, traduzidos e publicados em português pelos Amigos Brasileiros do PAZ