sexta-feira, 15 de julho de 2011

O VAZIO DA VIDA ACADÊMICA


O VAZIO DA VIDA ACADÊMICA.
(Ângelo Monteiro)


Certas posturas e inflexões, certa forma de dizer não dizendo, a constante cautela com qualquer ponto de vista que possa soar polêmico ou politicamente incorreto: tudo isso termina concorrendo para que os nossos mestres se tornem cada vez mais impermeáveis a todo tipo de ação criadora. Se jamais acreditei que a igreja, a Sinagoga e a Mesquita tenham mais do que dar às nossas almas que o próprio Deus, muito menos me julgo obrigado a crer que qualquer instituição universitária, por melhor que seja, venha a conceder mais ao estudioso do que o estudo nas próprias fontes. Por isso não consigo ver a Universidade como um ambiente sagrado – como até alguns jovens de sisuda inteligência o conseguem – em que a voz de como a de um papa ou de um profeta do Velho Testamento.

O que acontece, na maioria das vezes, é justamente o contrário: como quando eu próprio me vi submetido a um processo de avaliação docente, em que perdi pontos porque entreguei a meus examinadores um livro então publicado em lugar de um suposto material didático, (quando bastava, segundo eles, uma cópia em xerox do original), -como se um livro de Filosofia da arte não fosse um material didático – e porque não tinha participado, nos dois últimos anos, de nenhuma banca examinadora, como se isso dependesse de mim, e como se o ato de avaliar e ser avaliado fosse superior ao de pensar, ensinar, escrever e publicar livros...

Daí o vazio da chamada vida acadêmica, onde o que menos conta é o conhecimento em si mesmo, e onde o magistério detém menos importância do que a atividade administrativa; e o que mais sobra, além das discussões teóricas sobre gêneros e manifestações periféricas, e das reuniões intermináveis, é a luta por cargos e consultorias. Péssima como esposa ou como amante, protocolar e rígida, a Universidade hoje – sobretudo em termos de ciências humanas, dominadas por critérios unicamente ideológicos – só costuma despertar o entusiasmo de espíritos rotineiros e subalternos, ou de almas temerosas de comprometimento com qualquer coisa mais exigente, sobretudo com as coisas do espírito.

O ambiente universitário, por vezes, um espetáculo não muito sedutor para os inquietos de espírito quando, fechado num círculo de formas protocolares do dizer e do fazer de uma casta à parte, vê o mundo apenas através do disfarce das lunetas acadêmicas, concebendo o conhecimento mais como um meio de obter status que de alcançar o difícil troféu da sabedoria.


Desta só me resta hoje, além da ligação pessoal com algumas figuras independentes, a afável lembrança dos alunos que ainda me convidam, como recentemente, para paraninfo de suas turmas. Um sinal de que também, não foi má a lembrança que lhes deixei...
Fonte: Jornal Contraponto, 342-.
15 a 21 de julho de 2011

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